Não estou perplexo nem assustado com o comportamento das Forças Armadas Brasileiras. Nossos militares são especialistas em não agir e pensar na direção da maioria esclarecida e de índole republicana/democrática da população brasileira. É uma contradição aparente, mas a responsabilidade por esse comportamento é da própria sociedade brasileira, de nossa República com persistências históricas escravistas, aristocráticas e monarquistas. Nosso Exército e aparato militar não é eleito, mas formado no recrutamento contínuo de jovens de todas as regiões e segmentos sociais, em especial das classes médias de nossas urbes. Não são forças militares que caíram do céu ou nomeadas ao acaso.
Assim, creio eu, nossos militares, praças, oficialidade e generalato são sensíveis à perspectiva das escolhas eleitorais, eles próprios eleitores também. Minha percepção é de que já somos uma nova sociedade, conectada em redes cibernéticas, hiper urbanizada. Uma sociedade mais conectada com seus próprios interesses e que ensaia um protagonismo inovador na cidadania brasileira.
Episódios como os da madrugada do dia 31 de outubro de 2022 em nossas principais rodovias só são possíveis com a inércia da população, da imprensa, das instituições da sociedade civil. Não creio nessa inércia em nenhum momento; pelo contrário, acredito não apenas na reprovação do episódio de incentivo à ruptura democrática, na indignação da maioria da população, mas em sua ação ativa em repúdio aos atos golpistas.
O Brasil contemporâneo tem imensos problemas, inclusive no conjunto do Poder Judiciário e nos MPs, ainda pouco republicanos e muito monárquicos em sua composição e recrutamento de quadros profissionais. Mas nossa mais aguda questão está na simbiose dos Poderes Executivo e Legislativo da República com suas pequenas persistências feudais de clientelismo, corporativismo e patrimonialismo ainda não extirpados. Acredito que a sociedade vem criando as condições de equacionar essas questões com manifestações institucionais impecáveis e pleitos eleitorais com lisura e invejável suporte tecnopolítico cibernético.
Creio na ebulição criativa de nossa gente, dentro dos parâmetros de um Estado Democrático de Direito que se aperfeiçoa a cada pleito eleitoral, vivo, ativo, ruidoso, plural, diversificado, para nossa felicidade e tranquilidade da comunidade internacional com suas cláusulas democráticas de convívio. Vemos nosso povo reagir propositivamente por mais direitos gerais, individuais e coletivos. Aposto na democracia como valor universal, inalienável, e no vigor da população em ação democrática militante.
Manifesto meu irrestrito apoio ao Poder Judiciário, MPs, governadores, prefeitos, comandantes militares, pela impecável onda constitucional, legalista e de defesa da democracia. E minha ojeriza permanente às persistências históricas de práticas clientelistas, corporativas e patrimonialistas. Mas os ares democráticos ampliados e includentes vão diluindo essas persistências históricas do escravismo e patrimonialismo que formataram nossas instituições políticas, universidades, forças militares.
Paulo Baía é sociólogo, cientista político e professor da UFRJ.
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