Por gabriela.mattos
Frei Antônio construiu 15 igrejas%2C escreveu 27 livros e atendia a mais de 600 crianças carentes na BaixadaDivulgação

Rio - Seguindo os princípios da Ordem Franciscana a qual pertencia, que pregam a simplicidade, o frei Antônio Moser, de 75 anos, dispensara motorista e segurança. Gostava de dirigir sozinho a descida íngreme da serra de Petrópolis, cidade que escolhera para morar aos 34 anos. O sol ainda estava nascendo na manhã desta quarta-feira quando o religioso conduzia o seu carro em direção ao Aeroporto Internacional Tom Jobim. Iria a São Paulo para participar de mais um programa no canal ‘Canção Nova’, para debater assuntos como aborto e eutanásia.

Frei Antônio já tinha passado pelo pedágio da Rodovia Washington Luís (BR-040), no pé da serra, quando o louvor que ouvia no Honda Civic foi interrompido abruptamente por dois homens em uma moto, que anunciaram um assalto. Assustado, acelerou.

Um único disparo de pistola transfixou o seu ombro esquerdo e tórax. Ferido, perdeu o controle do veículo, bateu com o carro em um ônibus e parou no acostamento da rodovia, na altura do bairro de Santa Cruz da Serra, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.

A música religiosa ainda tocava quando funcionários da concessionária que ficam no pedágio correram para ajudá-lo. Já estava sem vida. “Ele cumpriu sua missão. Não tinha medo da violência, pois tinha muita confiança em Deus”, afirmou ao DIA sua irmã, a freira Maria Moser, 82.

Tonico, como era conhecido pelos familiares, era o filho caçula de 10 irmãos. Quando sua mãe ficou viúva no final da década de 1940, colocou os três irmãos mais novos no seminário. “Foi a forma que ela encontrou para criar os filhos em Gaspar, cidade de Santa Catarina. Os mais velhos foram para a lavoura”, disse a sua sobrinha, Ivone Moser, 52.

Vocacionado, aos 20 anos começou seus estudos para ser padre. Na carreira de 55 anos de vida franciscana, tornou-se doutor em Teologia Moral, professor universitário e era diretor-presidente da Vozes, a mais poderosa editora católica do país. Construiu 15 igrejas, na Baixada Fluminense e em Petrópolis. Em uma delas, a Paróquia de Santa Clara, atuava como pároco. Também coordenava o Terra Santa, na Baixada, que atende 600 crianças carentes.

Em 2015, foi o téologo brasileiro escolhido para ir ao Vaticano e debater com o Papa Francisco os caminhos atuais da Igreja. Autor de 27 livros, em um deles, intitulado ‘O enigma da esfinge — a Sexualidade’, afirma que homossexuais devem ser acolhidos pelas pastorais. Ao site da sua Ordem, declarou, em 2011: “Após a morte você só vai ter luz, e até mesmo o que seriam sombras só servirão para ressaltar a luz”. Nesta quarta-feira, ele certamente encontrou, de forma trágica, essa luz. É mais uma vítima da violência no Rio.

Polícia pede que população ajude com denúncias

O caso da morte do Frei Antônio Moser está sendo investigado pela Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense. “Estamos analisando câmeras. Peço para as pessoas ajudarem no esclarecimento desse crime bárbaro com denúncias”, disse o delegado Breno Carnevale.

O prefeito de Petrópolis, Rubens Bomtempo (PSB), declarou luto oficial por três dias. Moser receberia na próxima semana a Medalha Koeler Cruz de Mérito, uma das mais altas honrarias concedidas pelo município. “Perda irreparável para o mundo. Não tenho palavras para descrever a atividade pastoral que mudou a cidade”, disse.

A rodovia em que o frade foi morto é a mesma onde, em 2012, a empresária Teresa Fontaine, 45, dona da rede de lanchonetes ‘Casa do Alemão’ foi morta em uma tentativa de assalto. Após sua morte, a concessionária que administra a via afirmou que aumentou o número de câmeras de segurança no trecho da rodovia que corta a Baixada Fluminense de 15 para 88.

Segundo a Polícia Rodoviária Federal, em 2015, 470 veículos roubados foram recuperados em rodovias federais que cortam o Rio, sendo 175 na Baixada. A área onde está situado o bairro de Santa Cruz da Serra, registrou, em janeiro de 2016, segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP), 15 homicídios dolosos, do total de 29 ocorridos em Duque de Caxias. O número fez com que o índice de assassinatos no período alcançasse 3,27 por 100 mil habitantes no município, enquanto a taxa estadual é de 2,41 por 100 mil.

O corpo de Moser é velado na Igreja do Sagrado Coração de Jesus, em Petrópolis. Seu enterro está previsto para as 16h de hoje, no cemitério da cidade.

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