Por gabriela.mattos

Rio - O ônibus parte da Praça 15 em direção a Madureira, ponto final da linha 254. Aproveitando o trânsito, a cobradora Jéssica Santos, de 23 anos, dobra as mangas para dar um toque feminino ao uniforme. Depois de quatro anos no itinerário, todo capricho é pouco para receber os amigos passageiros. A rotina de conversas e histórias entreouvidas, porém, parece cada vez mais distante no retrovisor.

Com o aumento da utilização do RioCard, a função da profissional não é mais necessária dentro de 7,7 em cada 10 coletivos que rodam na cidade. Isso porque, segundo a Rio Ônibus, associação das empresas de transporte, o motorista só pode fazer dupla função nas linhas que têm 70% ou mais das passagens pagas com bilhete eletrônico. Isso ocorre em pelo menos 334 dos 443 itinerários que circulam no Rio, o equivalente a 77,21% da frota.

Avaliando o grande número dos colegas de profissão demitidos, a cobradora já busca outra especialização. “Todo mundo sabe que o nosso fim vai chegar. Eu não fiquei esperando o decreto final da empresa, e já estou terminando um curso de segurança no trabalho. O que mais vou sentir saudade é a convivência com colegas de empresa e passageiros. A gente constrói laços fortes, vira uma família”, contou.

O motorista Alberto Borges diz não ser contra o fim da função de cobrador%2C mas avalia que deveria haver mais pontos de recarga dos cartõesMaíra Coelho / Agência O Dia

A sensação de viagens solitárias entre o volante e a catraca é compartilhada pelos colegas motoristas. Porém, eles questionam a dupla função. Ouvidos pela reportagem, a maioria não critica a tendência de migração para o bilhete eletrônico.

“Para mim tinham que tornar o cartão obrigatório e criar um sistema que permitisse as pessoas carregarem até na banca de jornal. Fazer dupla função é muito estressante para nós, sem contar que piora o trânsito”, disse o motorista Alberto Borges.

A Rio Ônibus afirma que as empresas aproveitam os cobradores em outras funções e que há estabilidade no número total de rodoviários empregados no sistema desde 2010. Já o Sindicato dos Motoristas e Cobradores da Cidade do Rio (Sintraturb), no entanto, contesta a informação e aponta que 9 mil cobradores foram demitidos desde o início da implementação do sistema de bilhetagem eletrônica. “O número de rodoviários caiu de 45 para 28 mil, no total, desde meados de 2012, e a perda dos cobradores foi maior”, afirmou Sebastião José, vice-presidente do Sintraturb.

Em nota, a Secretaria Municipal de Transportes (SMTR) informa que estimula que as empresas aproveitem os cobradores em outras funções dentro do sistema rodoviário. A prefeitura acrescentou ainda que estuda a possibilidade determinar o aumento dos pontos de venda para ampliar o acesso dos usuários dos cartões RioCard, mas em data ainda não definida.

Motoristas são criticados por arrancar ao dar o troco

Enquanto esperava o troco da sua passagem, a estudante Marcela Ramirez, de 23 anos, tentava se equilibrar na roleta e criticava o fim dos cobradores. “Os motoristas têm tempo para cumprir, então, a maioria troca o dinheiro enquanto arranca com o ônibus mesmo”, relatou.

O especialista em mobilidade da UERJ Alexandre Rojas também ressaltou que a prática precisa ser corrigida. “No caso brasileiro, o motorista sai dirigindo e dando troco, comentando dezenas de infrações. No exterior, onde não há cobradores, o motorista só arranca quando já atendeu a todos os passageiros”, contou.

Tecnologia mundo afora

O pagamento em dinheiro foi já abolido em cidades brasileiras, como Campinas e Ribeirão Preto, no estado de São Paulo. De acordo com especialistas consultados pela reportagem, o sistema representa um avanço no plano de mobilidade que existe nas maiores capitais do mundo. “É o que há de mais atual em grandes cidades, não conheço capitais desenvolvidas que não possuam sistema eletrônico de bilhetagem. A tecnologia possibilita maior fiscalização em relação a fraudes, controle, redução de tempo de parada de ônibus no ponto, economia financeira para o serviço. Seja no aspecto fiscal ou operacional, só há vantagens”, afirmou Alexandre Rojas, especialista em mobilidade da Uerj.

Os próprios representantes do rodoviários elogiam o sistema, mas cobram que as empresas ofereçam treinamento para cobradores exercerem outras atividades. A Rio Ônibus acrescenta que o sistema de bilhetagem eletrônica foi implementado para trazer mais praticidade, agilidade e segurança para o sistema.

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