Rio - O vereador Gilberto Lima, preso na terça-feira acusado de comandar um esquema no Instituto Médico Legal (IML), seria integrante de uma milícia e já chegou a ser visto deixando a unidade, onde trabalhava, portando um fuzil e utilizando viatura da Polícia Civil, o que é incompatível com sua função de médico legista. As informações foram reveladas por funcionários do IML de Campo Grande, que colaboraram com as investigações.
Gilberto também teria a função de arrecadar propina de diretores dos 19 postos do IML sob a alegação de mantê-los nos cargos. Os pagamentos giravam em torno de R$ 2 mil a R$ 4 mil mensais de cada unidade, o que representa entre R$ 40 mil a R$ 80 mil por mês. Os valores eram destinados a Gilberto e Sérgio Miana, diretor do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE). Os diretores que não concordavam com o esquema eram perseguidos, segundo relato de um funcionário que não quis realizar o pagamento. Com essa cobrança, Gilberto e Sérgio podem ter lucrado quase R$ 3 milhões no período de 2014 a 2016.
As informações constam em denúncia do Ministério Público Estadual, aceita pela Justiça, que desencadeou a operação da Polícia Civil para prender integrantes da máfia ‘Papa Defunto’. Além da prisão do vereador e do diretor, também foi preso Franklin da Paz, que exercia a chefia administrativa do posto de Campo Grande.
Segundo a investigação, realizada em conjunto pela Corregedoria da Polícia Civil e promotores, havia exigência de pagamentos ilícitos para liberação de corpos de morte natural após exames de necropsia. Além disso, as funerárias usavam a própria estrutura do IML para maquiar e preparar os cadáveres para os enterros, o que não é permitido.
Os denunciados mantinham gestões junto às funerárias Santa Madalena, Fonseca, Flor de Campo Grande, Itaguaí e Rio Pax. Os corpos de mortes naturais eram repassados pelos hospitais Pedro II, Rocha Faria, Albert Schweitzer e Eduardo Rabelo. Por lei, somente mortes violentas ou suspeita devem passar pelo procedimento de necropsia. Nos dois anos investigados, 71% dos exames de necropsias realizados na unidade se referem a eventos de morte sem violência.
O esquema funcionava com a abordagem de agentes funerários a parentes de mortos dentro do próprio IML, com a promessa de acelerar a liberação do corpo. “Familiares de pessoas mortas por causas naturais, premidos pela dor da perda, no afã de guardar dignamente o ente que se foi, com a brevidade que tal despedida exige, efetuavam pagamentos em favor das funerárias”, apontou a denúncia.
Além da ilegalidade na utilização do prédio do IML para a preparação do corpo, os valores repassados pelas funerárias eram superfaturados e, posteriormente, recebidos por Sérgio Miana, Franklin da Paz e o vereador Dr. Gilberto.
Mesmo durante a investigação, o diretor do ICCE foi mantido no cargo estrategicamente. “Ele é preso na cadeira de diretor como uma forma de ensinamento para todos aqueles que se comportarem assim”, justificou o diretor da Corregedoria da Polícia Civil, Glaudiston Galeano.
Cremerj e Câmara vão apurar o caso
Após a prisão do médico legista Gilberto Lima, o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio (Cremerj) informou que vai abrir uma sindicância para apurar o caso.
A respeito da prisão de Dr. Gilberto, a Câmara Municipal de Vereadores, cujo gabinete do vereador foi alvo de busca e apreensão ontem, alegou que não foi notificada a respeito da prisão do político. O órgão declarou que a situação de Gilberto será analisada pelo Conselho de Ética de acordo com legislação.
As secretarias estadual e municipal de Saúde informaram que estão à disposição das autoridades policiais para colaborar com as investigações. A Secretaria Municipal de Saúde, no entanto, ressaltou que não há informações sobre o possível envolvimento de profissionais da rede no esquema ilícito.
As funerárias Flor de Campo Grande e Fonseca, que foram citadas como participantes da negociata, negaram o envolvimento. As outras funerárias foram procuradas pela reportagem, mas não retornaram as ligações. As defesas dos presos não foram localizadas.
*Colaborou o estagiário Rafael Nascimento