Rio - A Polícia Civil e o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ) realizam, na manhã desta terça-feira, uma operação contra um grupo que cobrava propina para liberar corpos no Instituto Médico Legal (IML) de Campo Grande após a necropsia.
O médico legista e vereador Gilberto de Oliveira Lima (PMN), o chefe da administração do posto, Franklin Silva da Paz, e o diretor geral do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE), Sérgio Silva William, foram presos. O trio foi denunciado por associação para prática criminosa e concussão.
Além dos três mandados de prisão preventiva, os agentes cumpriram ainda dez mandados de busca e apreensão, inclusive na Câmara dos Vereadores do Rio. Ao todo, 40 policiais civis e dez delegados participam da operação desta terça.
De acordo com as investigações, Gilberto liderava o esquema de cobrança de propina para liberar os corpos, sendo que alguns desses corpos nem passavam pela necropsia. O golpe começou em 2014 e continuava até hoje. O MP informou que o esquema envolvia as funerárias Santa Madalena, Fonseca, Flor de Campo Grande, Itaguaí e Rio Pax, todas da região, e os Hospitais Pedro II, Rocha Faria, Albert Schweitzer e Eduardo Rabelo. A fraude ficou popularmente conhecida como "máfia dos papa-defuntos".
A denúncia do órgão apontou que as funerárias envolvidas eram autorizadas a trabalhar na preparação de corpos dentro do IML, para que eles fossem diretamente para o funeral, o que é proibido por lei. Em troca, os três acusados recebiam propina. Segundo o MP, para aumentar os lucros, os hospitais enviavam ao instituto corpos de pessoas que tiveram morte natural, não violenta ou insuspeita e que, portanto, não precisariam passar pelo posto. Com isso, a demanda era sempre alta.
As investigações mostraram também que até funcionários terceirizados, contratados inicialmente para manutenção e limpeza do prédio, faziam o trabalho de auxiliares de necropsia. O MP destacou que eles "ajudavam na lavagem, arrumação, preenchimento e maquiagem dos cadáveres para entregá-los preparados, dentro dos esquifes".
De acordo com a denúncia, o IML de Campo Grande apresenta um número de atendimentos por morte natural muito superior ao número de perícias por morte violenta. As investigações reforçam ainda que o posto é o único nesta situação entre os 21 órgãos semelhantes no estado.
"Em 2015, o serviço atrelado à verificação de óbitos naturais alcançou o expressivo número de 2.020 cadáveres em Campo Grande, enquanto as perícias relacionadas à morte violenta foram de 746 corpos. Em 2016, foram 2.310 mortos por causas naturais e 872 por violência", completou o órgão, em nota.
Desde março de 2015, o Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE), tinha sua direção geral exercida pelo denunciado Sérgio William, por influência política do vereador denunciado Gilberto de Oliveira. De acordo com a denúncia, Sérgio, em conluio com o vereador, utilizava de sua influência para exigir quantias em dinheiro de diretores de postos regionais de polícia técnico-científica.
Caso não tivessem os pedidos atendidos, ele procurava retaliar os subordinados, transferindo os mesmos para municípios distantes. Ou seja, Sérgio William passou a ter influência na nomeação dos postos regionais de todo o Estado e, no exercício desta função, ele passou a exigir quantias de até R$ 4 mil em espécie para expandir o esquema a outros postos do Rio de Janeiro.
Os servidores identificados como envolvidos na organização criminosa também responderão disciplinarmente e podem ser demitidos do serviço público no fim do procedimento administrativo.
O delegado da Corregedoria Interna da Polícia Civil (Coinpol), Gladiston Galeano, disse que foram apreendidos computadores, celulares e diversos documentos nas casas dos acusados e no IML de Campo Grande. Segundo Galeano, só após a analise de todo o material apreendido será possível dizer se haverá novas diligências. De acordo com as investigações, apenas Gilberto, Franklin e Sérgio faziam parte do esquema. Todos os presos e os materiais apreendidos foram levados para a sede da Coinpol, na Lapa.
O DIA entrou em contato com todas as funerárias citadas, mas, até a publicação desta reportagem, nenhuma havia divulgado um posicionamento oficial sobre o caso.
Em janeiro de 2016, o DIA publicou que o Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj) abriu uma sindicândia para apurar a denúncia de que o médico perito, que na época era do PTN, faltava os plantões da rede pública de saúde. Mesmo não indo aos plantões, ele recebia seu pagamento normalmente. Naquela época, o parlamentar presidia a Comissão de Saúde Pública da Câmara de Vereadores.
Além do vereador, a esposa dele, a médica Mara Gisele dos Santos de Souza, também era investigada pelo Cremerj. O nome dela apareceu em um plantão de 24h no Hospital Rocha Faria, em Campo Grande, e no mesmo dia, em um plantão na Coordenação de Emergência Regional da Secretaria Municipal de Saúde.
Reportagem do estagiário Rafael Nascimento, com supervisão de Gabriela Mattos