Rio - A comunidade do Jacarezinho teve nesta terça-feira o quinto dia consecutivo de tiroteio, que acarretou na morte de um vendedor de frutas, apelidado como Tião, e deixou uma moradora baleada no rosto. No confronto, um blindado foi atingido por um coquetel molotov e ficou avariado. Um helicóptero da Polícia Civil fez dois pousos forçados por causa dos tiros. Apesar do clima de guerra, a Secretaria de Segurança não pode acionar de imediato o apoio das Forças Armadas na região, mesmo o governo federal tendo decretado a Garantia de Lei e Ordem para o estado no dia 28 de julho.
Na ocasião do anúncio, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, disse que os militares agiriam para “golpear e tirar a capacidade do crime organizado”. No entanto, para as Forças Armadas serem acionadas é necessário vários degraus de burocracia. “A secretaria de Segurança diz a necessidade. Essa necessidade é avaliada por três ministros — Defesa, Gabinete de Segurança Institucional e o da Justiça. Após isso, o Estado-Maior, formado por representantes estaduais e federais, definem um plano. E a ação é colocada em prática”, explicou o coronel Roberto Itamar, porta-voz do Comando Militar do Leste, ontem, procurado pelo DIA. “É claro que em uma excepcionalidade, nós vamos ajudar. Mas o uso das Forças Armadas é dentro do contexto do Plano Nacional de Segurança, em ações coordenadas, pontuais e bem definidas”, completou Itamar.
A secretaria de Segurança não informou se pretende solicitar os 8.500 militares das Forças Armadas, que estão à disposição, para auxílio no Jacarezinho. No entanto, a Polícia Civil alegou que vai continuar realizando operações na comunidade.
Ontem, durante a operação policial, um blindado da Delegacia de Combate às Drogas (Dcod) foi atingido por um coquetel molotov e ficou avariado levemente. Bandidos realizavam disparos contra um helicóptero da Polícia Civil, que foi forçado a pousar duas vezes no pátio do Senai, no Riachuelo, para verificar se a aeronave não tinha sido atingida.
Desde sexta-feira, as polícias civil e militar fazem incursões na comunidade. No primeiro dia, o policial da Core, Bruno Guimarães, foi morto em confronto com traficantes da região. Um menino de 13 anos e um homem identificado como André Macedo ficaram feridos por tiros. De acordo com o delegado Felipe Curi, titular da Dcod, as investigações sobre o autor da morte do policial estão avançadas.
A moradora ferida no confronto de ontem foi identificada como Ana Carolina Pereira dos Santos, de 30 anos. Ela foi submetida a uma operação no Hospital Geral de Bonsucesso. Durante a noite, seu quadro de saúde era estável. A Delegacia de Homicídios vai investigar a morte do vendedor de frutas.
Mais de 4 mil alunos ficam sem aula
A violência voltou a interromper as aulas em diversos pontos da cidade. De acordo com a Secretaria Municipal de Educação, 4.384 alunos foram prejudicados no Rio ontem. O local mais atingido foi o Jacarezinho, com 2.291 estudantes sem aulas. Segundo a secretaria, três escolas, três creches e dois EDIs ficaram de portas fechadas.
Por causa do confronto no Jacarezinho, uma escola em Maria da Graça, bairro vizinho, também foi fechada e 850 estudantes não tiveram aulas. Nas redes sociais, os internautas contaram que o tiroteio começou no início do dia. Um deles flagrou o momento em que uma fumaça atingia um trecho da favela. “Vivemos uma guerra aqui. Deus nos proteja”, pediu um dos moradores. “Não aguentamos mais esses tiroteios, pedimos paz!”, reforçou mais um deles. “Muito tiro mesmo”, disse outro.
A Supervia teve que interromper a circulação de trens no Jacarezinho ontem. Em nota, disse que “esta é a 20ª vez esse ano que a circulção de trens precisa ser interrompida parcialmente, sendo as três últimas ocorrências registradas no último fim de semana”.
Novas regras para incursões
A Secretaria de Segurança publicou ontem no Diário Oficial, uma instrução normativa para evitar confrontos e balas perdidas em áreas perto de escolas, creches, postos de saúde e hospitais.
Segundo o documento, as polícias Civil e Militar devem evitar operações em horários de maior fluxo de pessoas desses locais. Também foi estabelecido prazo de 15 dias para que as polícias revisem atos normativos relacionados ao tema ou editem novas ações, de forma a incorporar o novo conteúdo. A instrução enfatiza o papel do policial para respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais, além de ter atitudes não discriminatórias.
Operação com drone na Praça Seca
Policiais militares do 18º batalhão (Jacarepaguá), com apoio de outras Unidades do 2ºCPA realizaram uma operação ontem, com o o uso experimental de drones nos morros da Covanca e São José Operário, na Praça Seca, na Zona Oeste da cidade.
De acordo com informações do comando de operação, a atuação fazia parte da rotina das inúmeras operações feitas nos últimos dias e que teve início às 4:30 da manhã e terminou por volta das 12h.
Durante a operação, um menor de idade foi apreendido e houve apreensão de uma pistola calibre 40 e uma réplica de fuzil. Ocorrência foi encaminhada para a delegacia da área.
Segundo a PM, a operação foi realizada com o objetivo de combater o tráfico e roubo de veículos na região e contou com a ajuda experimental de drones para a facilitar a identificação de cargas roubadas. A operação deixou mais de 4.000 alunos sem aula e duas escolas tiveram que ser fechadas na Covanca, na Praça Seca. Motoristas que passavam pelas principais ruas tiveram o veículo revistado por volta das 6:30 na rua Florianópolis.
Inúmeros moradores da Praça Seca reclamam da perturbação causada pelas barricadas instaladas pelos traficantes do Morro São José Operário em diversas ruas do bairro. Segundo eles, há casos em que as pessoas não conseguem acessar as garagens de seus prédios. Houve também, o bloqueio das ruas com ferros dos trilhos de trem, nas ruas Capitão Menezes, Doutor Bernardino, Brício de Abreu, Baronesa e Aruti.
Nas redes sociais, os internautas descrevem o momento em que iniciou a troca de tiros por volta das 6h, quando o caveirão entrou nas comunidades. “Estou impossibilitado de sair de casa, muito tiro aqui na Praça Seca”, publicou um deles. “Tem um policial com fuzil em cada esquina”, contou mais um morador. “Estudar na Praça Seca é o fim!. Todo dia tem tiroteio”, lamentou.
A secretária municipal de Assistência social e Direitos Humanos, Teresa Bergher, faz um apelo ao governo do estado para que a política de segurança de enfrentamento nas comunidades seja reavaliada.
*Colaborou o estagiário Matheus Ambrósio