Rio - Há 30 dias teve início a operação ‘Rio quer segurança e paz’, que prometia, com ação das Forças Armadas e polícias do Rio, golpear o crime organizado. No discurso do governo do estado, uma das principais justificativas para a ajuda federal era retirar das mãos de bandidos as armas de guerra, que vitimam tantos policiais e cidadãos comuns. Até ontem, no entanto, foram realizadas três megaoperações conjuntas que não apreenderam nenhum fuzil. O Ministério Público Federal do Rio aponta a ineficácia do emprego das Forças Armadas e quer que o governo federal envie recursos para a Polícia Militar sair do sucateamento.
“Fiz uma reunião de horas com representantes do Exército, da PM, da Polícia Rodoviária Federal e até agora estou sem entender a necessidade dos militares nessas operações”, afirmou o procurador Eduardo de Oliveira, que coordena o Controle Externo da Atividade Policial no Rio.
“O Exército é essencial na soberania nacional e nas fronteiras. Mas a tropa ficar parada em pontos de uma comunidade para a polícia cumprir mandados de prisão é ineficaz e tem um custo enorme. Esse recurso financeiro poderia ser utilizado para ajudar no conserto das viaturas da Polícia Militar, por exemplo”, avaliou. O DIA apurou que o custo de uma operação diária do Exército é de R$ 1,2 milhão. Atualmente, cerca de 40% das viaturas da corporação estão paradas com avarias.
O procurador não descarta entrar com uma ação cível pública pedindo o repasse do dinheiro utilizado nas ações militares para a segurança estadual. “Há questões estruturais que precisam ser resolvidas para que decretos de garantia da lei e da ordem sejam a exceção e não a regra. O Exército tem a filosofia de combater um inimigo sem rosto, ou seja, não é para lidar com a população civil”, disse Oliveira.
Após a primeira etapa do Exército nas ruas e vias expressas, a força passou a atuar em operações pontuais contra o tráfico de drogas, baseado em investigações policiais. Os apoios ocorreram na Zona Norte e em diversos pontos da Região Metropolitana. Foram presas 84 pessoas e apreendidos 14 kg de cocaína, 300 kg de maconha além de carros e munições.
Procurado, o porta-voz do Exército, coronel Roberto Itamar, disse que “o Exército não faz ocupações devido ao alto custo e que no passado essa ação demonstrou não ter resultados”. Em 1 ano e meio no Complexo da Maré o custo da ocupação foi de R$ 400 milhões.
Especialistas em estratégia militar divergem sobre atuação do Exército
Para o major da reserva do Exército e consultor em análise de risco do think tank Instituto Arc, Nelson Ricardo Fernandes Silva, a estratégia no uso dos militares somente nos cercos das comunidades onde são realizadas incursões da polícia é justificada pela crise econômica e baseada em estudos. “Há uma força policial para entrar nas residências e realizar revistas. Caso o Exército fizesse isso, seria uma aplicação torta de sua finalidade. Tem policiais para fazer isso e é mais sensato usar alguém que sempre operou no local e conhece bem a área”, opinou.
Nelson Ricardo participou enquanto paraquedista de uma ocupação do Exército no Pavão-Pavãozinho em 1993 e também na força de paz brasileira no Haiti, em 2008. Pela sua experiência, as operações realizadas com militares que residem no estado é um fato de preocupação pelo risco de vazamentos. Foi o que ocorreu na semana passada, com a prisão do soldado Mateus Lopes, 19. Amigo de infância do traficante do Comando Vermelho Biscolé, o militar repassava os locais e horários de todas as ações policiais conjuntas. “Normalmente há o cuidado de se fazer uma triagem. Quem mora no local ou perto não participa da operação”, disse.
Já para o vice-presidente do Clube Militar, general Clóvis Bandeira, o Exército não deveria atuar sem um amparo nas leis mais amplo. “Para a gente agir em situações onde há guerrilha, com traficantes armados, nós precisamos de soluções extraordinárias no campo legal. Mandados de busca coletivos para um bairro inteiro e julgamentos em tribunais militares. Essas ações pontuais têm uma despesa grande, pouco resultado material, desgastam a tropa e criam desesperança na população”, afirmou Bandeira.