Por thiago.antunes

Rio - Durante a invasão de cerca de 100 traficantes, feita pelas principais vias da Rocinha, às 6h20 da manhã de domingo, a Unidade de Polícia Pacificadora local contava com 40 policiais militares em suas bases. Outros 40 agentes já haviam saído na troca de turno. Os números foram confirmados com policiais lotados na UPP Rocinha, unidade que conta com o maior efetivo policial do programa. São 700 policiais, que trabalham em escalas.

Por cinco horas, criminosos rivais trocaram tiros entre si, deixando os moradores da comunidade em pânico. Os poucos policiais presentes se esconderam. A reação, considerada acertada pelo comando da PM para a preservação da vida dos agentes e de moradores, só expôs ao público a falta de controle do Estado sobre o território da Rocinha. Essa realidade, no entanto, já é conhecida pela própria cúpula de Segurança.

Mais da metade da Rocinha está fora do alcance dos agentes da UPPArte%3A O Dia

Em levantamento obtido pelo DIA, feito pela Polícia Militar e coordenado pelo Instituto de Segurança Pública, houve a conclusão de que, desde dezembro, não é possível realizar a patrulha em 51,6% do total da área da comunidade. "Não é possível circular nessas áreas sem a ocorrência de confrontos", diz trecho do relatório. O documento foi determinante para a reavaliação do projeto que retirou os policiais administrativos das unidades.

Entre as áreas evitadas no patrulhamento diário estão: Laboriux, Macega, Roupa Suja, Cachopa, Cachopinha e Dionéia, por exemplo. Essas regiões fazem limite com a mata, que é usada pelos bandidos para fugas.

É justamente na mata que a polícia acredita que 200 traficantes tenham se refugiado durante a incursão de cerca de 400 agentes das polícias civil e militar, realizada ontem. Na operação, um homem não identificado morreu baleado no alto da comunidade. Segundo a PM, ele teria atirado nos policiais, que reagiram. No total, quatro pessoas foram mortas, desde o domingo, e três foram presas: Wilkler Nobre Barcelo, 20 anos, Edson Gomes Ferreira, 30, e Fábio Ribeiro França, 19.

A informação de que traficantes das favelas de São Carlos (no Estácio) e da Vila Vintém (na Zona Oeste) iriam confrontar traficantes na Rocinha já era de conhecimento da inteligência da Polícia Civil e repassada à PM. Apesar disso, nada foi feito para reforçar a comunidade. De acordo com o porta-voz da PM, major Ivan Blaz, a "corporação trabalha com a possibilidade de invasões a 1.200 comunidades todos os dias".

Marcas de disparos em ponto da RocinhaEstefan Radovicz/Agência O DIA

Ontem à noite, com a saída dos policiais, moradores relataram que homens armados voltaram a circular pelas ruas. Um toque de recolher, inclusive em condomínios de São Conrado, teria sido decretado pelo tráfico.

Ministro promete força-tarefa federal contra o crime

No mesmo dia em que foi indagado sobre a falta de atuação das Forças Armadas no Rio, que há quase um mês não realizam operações no estado, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, reafirmou que trabalha em um novo plano. “Quero criar uma força-tarefa federal para o Rio, integrando Ministério Público Federal, Polícia Federal e Justiça para combater a criminalidade.”

Em relação à falta de atuação do Exército na Rocinha, a resposta foi que a secretaria de Segurança não solicitou ajuda. “Atuamos em apoio. Há um centro integrado de comando que deve orientar a demanda. Como não somos nós que assumimos diretamente o combate ao crime, que é função das polícias, atuamos em apoio, como no bloqueio de comunidades e vias ou patrulhamento de rua. Mas quem decide é a inteligência integrada”, disse.

O ministro afirmou ainda que não há falta de verbas para essas operações. Em nota, a secretaria de Segurança disse que “o relacionamento com as Forças Armadas sempre foi de parceria, traduzida em inúmeras ações conjuntas em prol da população fluminense”. Também informou que novas operações vão ocorrer. E completou: “A presença do Exército Brasileiro garantiu que as ações ocorressem sem distúrbios civis. O número de presos chega a 88”, desde o final de julho.

Escolas sem aula, casas sem luz e UPA fechada

Durante a operação de ontem, 3.100 alunos ficaram sem aulas. Moradores também ficaram sem luz e a UPA permaneceu fechada. Comerciantes não arriscaram a abrir suas lojas. Quem mora na Rocinha e precisou sair de casa, relatou os intensos tiroteios de domingo.

Polícia fez operação na Rocinha após guerra entre traficantesEstefan Radovicz/Agência O DIA

"Foi muito tiro. Tive que ficar debaixo da cama, pois os disparos acertaram as paredes lá de casa. Foi um momento de terror", contou um aposentado que não se identificou. Na comunidade há mais de 55 anos, a cuidadora de idosos Albenir Costa, 64, relembrou as horas de pânico. "Me joguei no chão e fiquei ali esperando o confronto acabar", lamentou.

Segundo a polícia, Danúbia Rangel, mulher do traficante Antonio Bonfim Lopes, o Nem, está escondida na favela. Ela foi condenada a 28 anos de prisão por associação ao tráfico e está foragida. O fato de Rogério Avelino, o Rogério 157, que atualmente gerencia o tráfico no local, ter matado homens que a protegiam teria sido o estopim do confronto, pois Nem já estaria descontente com a cobrança de taxas que Avelino estaria fazendo a comerciantes. As ordens de invasão da favela partiram, segundo a polícia, de Nem, que está em presídio federal.


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