Rio - É um retrocesso amargo. As supostas regalias concedidas aos políticos presos na Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, denunciadas em inspeção do Ministério Público (MP), se assemelham às mordomias usufruídas na prisão, há cerca de 25 anos, por outra organização criminosa: a máfia do jogo do bicho.
Condenados, em 1993, a seis anos de prisão, por formação de quadrilha e bando armado, pela juíza Denise Frossard, 14 contraventores, a exemplo dos políticos de agora, transformaram o cárcere em um lugar aprazível, com a complacência dos carcereiros. Após rápida passagem por um presídio de verdade, o Ary Franco, em Água Santa, os bicheiros com nível superior foram transferidos para uma cadeia improvisada na sede da Polinter, à época localizada no Palácio da Polícia, na Zona Portuária, e para o Instituto Penal Vieira Ferreira Neto, o 'Sítio do Pica-pau Amarelo', em Niterói.
A diferença entre os presos de hoje e os do século passado é que os "bicheiros" meteram a mão no próprio bolso para reformar o cárcere. No caso da cadeia dos políticos, foi o estado, através da Secretaria de Administração Penitenciária (Seap), quem bancou a nova decoração do ambiente. Segundo reportagens publicadas pelo DIA, o falecido Castor de Andrade, o capo di tutti capi (chefe dos chefes) gastou o equivalente a um apartamento de dois quartos em Ipanema para reestruturar a Polinter. O bicheiro patrocinou a reforma de elevadores, mandou trocar as lâmpadas, consertou a bomba d'água, contratou empresa para dedetizar o ambiente, comprou máquina de café, ar condicionado, geladeira e camas confortáveis. As visitas eram liberadas e amigos e parentes dos bicheiros passavam as tardes em clima festivo na cadeia improvisada.
A exemplo do que ocorre hoje em Benfica, os presos se alimentavam com a comida trazida pelos familiares. O cardápio, no entanto, não era tão sofisticado. Se hoje a organização criminosa dos políticos e empresários se refestela com camarões, castanhas, queijos finos, presunto cru e saborosos bolinhos de bacalhau; no passado, a máfia do bicho se deliciava com pratos de rabada e comida árabe. "A família pode levar comida, rádio, televisão, isso não configura regalia", afirma o delegado federal aposentado Antônio Rayol, que adverte: "O que não pode é a Seap usar dinheiro público para equipar a cadeia para Cabral e os amigos dele, enquanto os outros presos não tem nem o que comer direito. Mas, se a família levar, não é regalia. Afinal, a gente não pode querer que a cadeia seja uma masmorra", afirma.
Comida boa e regalias na cadeia para presos vips
Ingredientes sofisticados e importados, especiarias, queijos, castanhas, frios diversos, cafeteira, eletrônicos e outras mercadorias não permitidas pela Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) foram achados pelo Ministério Público (MP) nas celas de Sérgio Cabral, Jorge Picciani, Sérgio Côrtes e dos outros presos da Lava Jato. Antes disso, a instalação de uma moderna cinemateca já havia sido abortada na Cadeia de Benfica. Assim como hoje, as regalias da máfia do bicho, no século passado, também foram objeto de inquéritos e muitos protestos. Na ocasião, a juíza Denise Frossard, que condenou os contraventores, classificou a situação como "mordomias esdrúxulas". No entanto, a exemplo do que aconteceu no passado, o argumento para a manutenção do tratamento diferenciado foi a própria lei. Afinal, a competência para transferir ou não o presidiário é da Seap.