Rio - 'Olha a estrutura daqui. Veja as condições de trabalho desses funcionários. É impossível ter resultado satisfatório (de investigações). As delegacias do Rio estão abandonadas". Essa é a revolta do empresário André Farias, de 41 anos, que acompanhava a esposa durante um boletim de ocorrência na 30ª DP (Marechal Hermes) e esperava sentado em um banco rasgado e sem encosto. A indignação de Farias é reforçada pelo Sindicato dos Policiais Civis do Rio (SinPol), que atesta que menos de 20% dos crimes no estado são solucionados.
Como O DIA mostrou ontem, pelo menos oito delegacias estão muito precárias, em estado crítico. Além disso, todos os três helicópteros da corporação estão parados. Ainda de acordo com o SinPol, cinco blindados estão parados por falta de manutenção. Quando a Polícia Civil precisa de uma aeronave tem que pedir emprestada à PM. Por conta da falta de estrutura, já tem delegado deixando de fazer operações. "Eu não vou colocar meus homens para enfrentar bandido, com armas pesadíssimas, dentro de uma favela nessas condições. E se um blindado enguiça lá dentro (da comunidade)? O que vou fazer? Prefiro deixar a operação do que arriscar a vida dos agentes", conta um delegado que pediu para não ser identificado.
Essencial em uma investigação, as provas obtidas em exames feitos pela Polícia Técnico-Científica (PRPTC) da Polícia Civil em locais de crimes, em armas e vítimas também estão sendo prejudicadas pela crise no Rio. E a situação pode piorar ainda mais com o fechamento de alguns postos no interior do estado. Segundo o SinPol, há 200 legistas e 400 peritos criminais em todo estado enquanto o ideal seriam 3.300. "E daqui a dois anos 70% deles já estão com tempo de se aposentar", revela um perito que pediu anonimato.
Há informações de que haverá uma fusão entre eles por região como aconteceu entre Itaboraí e São Gonçalo. O PRPTC de Itaboraí já fechou. Quem precisa fazer exame de corpo de delito tem que ir até o posto de São Gonçalo distante da cidade 26 quilômetros. É para lá também que vão os corpos que deveriam ser necropsiados na cidade. "Em um futuro próximo outros postos terão que ser fechados e a solução é que eles sejam fundidos como aconteceu com Itaboraí e São Gonçalo", denunciou um perito que pediu para não ser identificado. Essa fusão pode chegar à Região dos Lagos. Ele diz que há rumores de que o posto de Cabo Frio assuma os serviços de Araruama. Se isso acontecer, quem precisar dos serviços terá que percorrer 41 km entre as duas cidades.
A falta de pessoal e de insumos, como formol, comprometem os resultados dos laudos e as investigações. Peritos contam que até luvas e papel são custeados pelos funcionários mesmo sem receber o 13º de 2016 e com as promoções e salários atrasados. "A conclusão das perícias fica prejudicada por falta dos resultados do laboratórios. E acabou contrato de terceirizados, não tem vigilantes, fornecimento de materiais para postos. O IML não realiza exames de laboratório por falta de material, não tem coleta de lixo infectante, não se paga luz e nem água e os peritos pagam conserto e manutenção das viaturas. A situação é desesperadora", disse um perito. Para evitar que os postos de polícia técnica do interior parem de vez algumas prefeituras têm custeado os serviços.
Instituto Médico Legal agoniza
O IML do Centro do Rio, que foi inaugurado em 2009 com investimento de R$ 32,2 milhões, agoniza com a falta de recursos. Com quatro andares e 150 salas, o local chegou a contar com espaço especial para reconhecimento de corpos pelas famílias e um centro ecumênico, mas hoje tudo parece abandonado. O ar-condicionado central não funciona e a sala de cadáveres não tem exaustor.
"Os salários são baixos e muitos peritos trabalham em outros empregos e, lógico, não se dedicam as 40 horas semanas", diz Levi Inimá de Miranda, consultor e perito legista aposentado, que acrescenta: "As perícias não estão sendo de boa qualidade. Não há meios. E sem elas não há provas, e a Justiça não tem como julgar. Muitos criminosos podem estar soltos por falta de investigação e muitos inocentes presos", conclui.
"Não temos investigações e perícias. Tudo isso por conta da falta de investimento", afirma Fernando Bandeira, do SinPol. A Polícia Civil admite os problemas e afirma que "trabalha com o que lhe é disponibilizado e que busca oferecer o melhor ao cidadão do Rio". A Secretaria de Segurança não se pronunciou.
Pouco mais de um terço do quadro está disponível
Atualmente, a Polícia Civil tem 9 mil agentes, quando o quadro prevê cerca de 23 mil. O Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp) do Ministério Público do estado investiga as deficiências da Polícia Civil, como mostrou série de reportagens do DIA, publicada em julho. Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) será proposto. Caso não seja cumprido, o Gaesp vai ajuizar Ações Civis Públicas contra a Polícia Civil e o Estado.
A falta de insumos é comum em todas as unidades. Uma das delegacias especializadas mais famosas do Rio, a Delegacia Antissequestro (DAS) tem funcionado com ajuda de empresários e funcionários, que compram de papel para imprimir documentos até água para beber. "As delegacias estão se deteriorando, pois a verba está ficando menor a cada ano. Não temos estrutura básica. Para ficar aberta, os comerciantes e moradores do bairro se mobilizam para nos ajudar", lembra Daisy Nascimento, da DAS.