Autoridades federais foram recentemente impedidas de entrar em comunidade quilombola em Mangaratiba - Divulgação
Autoridades federais foram recentemente impedidas de entrar em comunidade quilombola em MangaratibaDivulgação
Por NADEDJA CALADO

Rio - No dia do 130° aniversário da Lei Áurea, celebrado neste domingo, a situação de uma comunidade quilombola em Mangaratiba, na Costa Verde, chama a atenção. Os ocupantes das fazendas Santa Izabel e Santa Justina denunciam estar sendo ameaçados pelos proprietários das terras e impedidos de receber visitas e insumos, além de viverem em condições precárias. O grupo é reconhecido pela Fundação Cultural Palmares como Comunidade Remanescente de Quilombo. A área fica próxima à Rodovia Rio-Santos (BR-101).

Diversas autoridades federais já foram barradas por seguranças particulares de entrar na área. Foi o caso de agentes da Defensoria Pública da União (DPU), que no dia 20 de abril tentaram fazer uma ação social de orientação jurídica para os moradores como parte do projeto 'A Defensoria vai aonde o povo pobre está'. Após o episódio, o órgão enviou ofício ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para pedir informações sobre o processo de demarcação e titulação das terras das fazendas Santa Justina e Santa Izabel, em prol das comunidades quilombolas.

Um representante do próprio Incra também foi barrado de entrar na comunidade menos de uma semana depois, no dia 25. O coordenador-geral de Regularização Fundiária do Instituto e o titular da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) foram impedidos de ingressar no terreno, sob justificativas de que não havia quilombolas no local e de que só entrariam se estivessem em posse de mandado judicial.

O secretário Juvenal Araújo Jr., da Seppir, falou que o órgão e a Fundação Palmares vão procurar ajuda junto à 6ª Câmara do Ministério Público Federal (MPF), que dispõe sobre populações indígenas e comunidades tradicionais. "Vamos cobrar providências porque é uma situação de clara violação de direitos humanos. As políticas públicas não chegam lá. É inadmissível isso acontecer em pleno século XXI, no Estado do Rio. Nem sequer o direito de ir e vir dos moradores é respeitado", critica.

Há ainda, desde dezembro passado, um inquérito civil aberto no Ministério Público Federal (MPF) para apurar a situação da comunidade quilombola. O objetivo agora é cobrar celeridade no andamento do processo. "Completamos 130 anos de abolição e eles ainda vivem como na era da escravatura. Ouvi de um quilombola: 'Secretário, eu tenho 85 anos de idade, nasci filho de escravo e vou morrer escravo'. Nunca vou poder esquecer isso", completa Juvenal Araújo Jr. Procurado, o MPF não se manifestou. 

Mais de 30 quilombos no estado do Rio
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Diversos quilombos urbanos são oficializados ou lutam por reconhecimento no Estado do Rio. Segundo a lista de Unidades de Conservação no Brasil, em todo território fluminense existem ao menos 34 comunidades remanescentes de comunidades quilombolas.
"Temos mais quilombos do que as pessoas imaginam, porque o Rio tinha alta concentração de fazendas escravagistas, além de ser porta de entrada do tráfico negreiro no Brasil", explica o chefe da Divisão de Ordenamento da Estrutura Fundiária do Incra, Pablo Pontes.
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Segundo ele, há mais de 1,2 mil famílias quilombolas cadastradas em 20 territórios de 15 municípios do Estado do Rio, em diferentes etapas de regularização. Apenas três têm as terras definitivamente regularizadas e um está parcialmente titulado. Há ainda outras seis comunidades com identificação em fase inicial, caso das fazendas Santa Izabel e Santa Justina.
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Titulação é prioridade do Incra
A titulação das terras do quilombo nas fazendas Santa Justina e Santa Izabel será prioridade para o Incra em 2018. O chefe da Divisão de Ordenamento da Estrutura Fundiária do Instituto, Pablo Pontes, alerta que a medida se deve especialmente aos conflitos recentes com os atuais donos, que os moradores acreditam ter sido obtidas através de grilagem.
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"Regularizar é um processo longo, envolve muitas etapas. Deve ser feita análise fundiária, relatório antropológico, levantamento das famílias, é preciso atestar que é uma comunidade de remanescentes de quilombos, e que também têm relação com o território", explica Pontes. Além da complexidade do processo, segundo ele, as limitações orçamentárias do Incra e a alta demanda atrasam esse andamento.
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