Rio - 'Nos últimos dois dias, quando chegou a madrugada, eu só chorei e pedi a Deus para que o dia clareasse e o frio passasse". O relato é de Cristiane Quirino Tavares, 38 anos, que vive nas ruas da Lapa há cinco anos. Porém, a afirmação poderia ser de qualquer morador de rua do Rio. O inverno começa, oficialmente, no dia 21 de junho, porém as baixas temperaturas registradas fizeram com que a cidade atingisse o recorde de frio no ano, com 10,6 graus, em Jacarepaguá.
A Prefeitura do Rio diz que mantém 63 abrigos na cidade, sendo 39 públicos e 24 conveniados, com 2.335 vagas para quem não tem um teto. O problema é que isso não basta. Afinal, a população de rua ultrapassa as cinco mil pessoas, segundo o último censo, realizado em 2013. Em 2016, a então secretária de Assistência Social e Direitos Humanos, Teresa Bergher, afirmou que eram mais de 14 mil. Hoje, a prefeitura não sabe quantos são, alega que ainda está fazendo o levantamento.
Segundo o médico Alfredo Guarisch, membro da Câmara Técnica de Segurança do Paciente do Conselho Federal de Medicina, quando a temperatura do corpo, que normalmente é de 37°, cai para menos de 35°, a pessoa começa a sofrer com a hipotermia, que pode ser fatal. E isso ocorre após uma exposição prolongada a ambientes frios. "O sujeito congela e tem coagulopatia (distúrbio de coagulação sanguínea). É uma morte complexa", disse. "O risco de hipotermia aumenta se não tiver roupa suficiente para se manter quente, ou se não tiver a cabeça coberta, já que perdemos 20% do calor do corpo através da cabeça", explicou Guarischi, salientando que as vítimas fatais, na maior parte das vezes, são dependentes químicos e desnutridos. Na segunda-feira, dois moradores de rua morreram por causa do frio em São Paulo.
Em muitos do Rio, quem vive nas ruas tem que buscar estratégias para driblar o frio. Os companheiros de infortúnio se aproximam uns dos outros na hora de dormir, buscam refúgio em marquises e improvisam barracas com papelões. Os mais sortudos têm cobertores e lonas para espantar o vento gelado.
"Quando chove aí tudo fica pior. Temos que ficar debaixo da marquise", contou a ex-empregada doméstica Eliene Prates Santos, 52, que mora nas ruas da Lapa. E ela tem razão. Caso se molhe na chuva e não se seque de imediato, e se vier um vento frio, a água, ao evaporar pela pele, leva a temperatura corporal a baixar. "Já fui para um abrigo da Ilha do Governador, mas é um sofrimento. Estou há um ano nas ruas por causa do alcoolismo. Não quero que meus filhos me vejam nesta situação", lamentou Eliene.