Nas madrugadas, moradores de rua improvisam lonas e lençóis sob as marquises do Centro para amenizar o frio. Rio teve a temperatura mais baixa do ano ontem, com 10,6 graus -  Daniel Castelo Branco
Nas madrugadas, moradores de rua improvisam lonas e lençóis sob as marquises do Centro para amenizar o frio. Rio teve a temperatura mais baixa do ano ontem, com 10,6 graus Daniel Castelo Branco
Por RAFAEL NASCIMENTO

Rio - 'Nos últimos dois dias, quando chegou a madrugada, eu só chorei e pedi a Deus para que o dia clareasse e o frio passasse". O relato é de Cristiane Quirino Tavares, 38 anos, que vive nas ruas da Lapa há cinco anos. Porém, a afirmação poderia ser de qualquer morador de rua do Rio. O inverno começa, oficialmente, no dia 21 de junho, porém as baixas temperaturas registradas fizeram com que a cidade atingisse o recorde de frio no ano, com 10,6 graus, em Jacarepaguá. 

A Prefeitura do Rio diz que mantém 63 abrigos na cidade, sendo 39 públicos e 24 conveniados, com 2.335 vagas para quem não tem um teto. O problema é que isso não basta. Afinal, a população de rua ultrapassa as cinco mil pessoas, segundo o último censo, realizado em 2013. Em 2016, a então secretária de Assistência Social e Direitos Humanos, Teresa Bergher, afirmou que eram mais de 14 mil. Hoje, a prefeitura não sabe quantos são, alega que ainda está fazendo o levantamento.

Segundo o médico Alfredo Guarisch, membro da Câmara Técnica de Segurança do Paciente do Conselho Federal de Medicina, quando a temperatura do corpo, que normalmente é de 37°, cai para menos de 35°, a pessoa começa a sofrer com a hipotermia, que pode ser fatal. E isso ocorre após uma exposição prolongada a ambientes frios. "O sujeito congela e tem coagulopatia (distúrbio de coagulação sanguínea). É uma morte complexa", disse. "O risco de hipotermia aumenta se não tiver roupa suficiente para se manter quente, ou se não tiver a cabeça coberta, já que perdemos 20% do calor do corpo através da cabeça", explicou Guarischi, salientando que as vítimas fatais, na maior parte das vezes, são dependentes químicos e desnutridos. Na segunda-feira, dois moradores de rua morreram por causa do frio em São Paulo.

Em muitos do Rio, quem vive nas ruas tem que buscar estratégias para driblar o frio. Os companheiros de infortúnio se aproximam uns dos outros na hora de dormir, buscam refúgio em marquises e improvisam barracas com papelões. Os mais sortudos têm cobertores e lonas para espantar o vento gelado.

"Quando chove aí tudo fica pior. Temos que ficar debaixo da marquise", contou a ex-empregada doméstica Eliene Prates Santos, 52, que mora nas ruas da Lapa. E ela tem razão. Caso se molhe na chuva e não se seque de imediato, e se vier um vento frio, a água, ao evaporar pela pele, leva a temperatura corporal a baixar. "Já fui para um abrigo da Ilha do Governador, mas é um sofrimento. Estou há um ano nas ruas por causa do alcoolismo. Não quero que meus filhos me vejam nesta situação", lamentou Eliene.

Veja como doar agasalhos para quem precisa
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A partir de hoje, o Projeto Rua Sem Fome passará a receber doações de agasalhos para moradores de rua. "Começamos a recolher roupas de frio. A partir do próximo mês entregaremos para quem precisa", diz o contador João Ricardo de Souza. Quem quiser doar vestimentas de frio pode entrar em contato com o telefone (21) 98688-7777 e falar com João do Bem.
Amanhã, quem inicia a sua campanha do agasalho é a Cruz Vermelha do Rio. A intenção é arrecadar agasalhos e cobertores, entre outras doações, para serem distribuídos a moradores de rua da capital ou de outros municípios do Estado, além de moradores de comunidades carentes que encontram-se em vulnerabilidade social e refugiados atendidos pela instituição.
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A prefeitura de Itatiaia, município que costuma bater recordes de frio no estado, iniciou a campanha "Com solidariedade e amor, transforme frio em calor", no mês passado. As doações de peças novas ou usadas em bom estado poderão ser realizadas até o dia 30 de maio na sede da prefeitura, na Casa da Cultura e na Policlínica Municipal. Desde abril, acontece também a campanha da Boa Ação. As doações podem ser feitas na sede da EBC, na Rua da Relação, 18, Centro.
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