Gilson aguarda há mais de um ano uma nova cirurgia na perna. Enquanto o procedimento não é marcado, ele só anda de muletas
 - Daniel Castelo Branco / Agência O Dia
Gilson aguarda há mais de um ano uma nova cirurgia na perna. Enquanto o procedimento não é marcado, ele só anda de muletas Daniel Castelo Branco / Agência O Dia
Por *ADRIANA CRUZ

Rio - Há seis anos, Roberto José, de 40 anos, aguarda nova cirurgia no joelho no Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into) por causa de um acidente de moto. A agonia dele e de mais 11 mil pacientes na fila de espera é reflexo da roubalheira na instituição que criou tentáculos na Secretaria estadual de Saúde e no Ministério da Saúde. Segundo o Ministério Público Federal, que deflagrou nesta quarta-feira a operação Ressonância, em 22 anos foi montada 'gigantesca fábrica de fraudes' que movimentou R$ 1,5 bilhão, dos quais R$ 600 milhões foram desviados. Com base em decisão do juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal, foram expedidos 22 mandados de prisão no Rio, além em três outros estados e no Distrito Federal. Vinte pessoas foram presas, além de cumpridos 43 mandados de busca e apreensão e decretado o bloqueio de R$ 1,2 bilhão dos acusados.

"Com esses recursos desviados por políticos e empresas, nós pacientes somos os mais prejudicados. É inaceitável", desabafou Roberto, que sofre na pele os efeitos da corrupção. Em mais uma faceta, o esquema desmontado ontem que contou com participação do ex-governador Sérgio Cabral e do ex-secretário estadual de Saúde, Sérgio Côrtes envolve ainda gigantes multinacionais no chamado 'clube do pregão internacional'. Daurio Speranzini Júnior, ex-executivo da Philips, foi preso por ter usado a empresa de fachada Rizzi Comércio Importação, Exportação e Representação Ltda em contratos de R$ 50 milhões. Atualmente, ele é o principal executivo da General Eletric na América Latina.

Foram identificadas 37 empresas que formavam um cartel, das quais 12 eram de fachada. Segundo o MPF, elas superfaturavam e fraudavam licitações com pagamentos de comissões de até 40% dos valores, principalmente para a Oscar Iskin, de Miguel Iskin, que voltou a ser preso nesta quarta. O empresário e seu sócio Gustavo Estellita foram para a cadeia na operação Fatura Exposta, que também desvendou corrupção, mas foram libertados pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

"Preciso colocar um fixador externo. Essas notícias desanimam, enquanto esperamos na fila", afirmou Gilson Severino da Silva, 53 anos, que foi atropelado em 2003 e já passou por cirurgias na perna. Agora, ele aguarda há mais de um ano nova intervenção. Sem conseguir trabalhar, Gilson sente muitas dores. A cirurgia, para ele, significa poder voltar a andar sem muleta.

A Philips informou que coopera com as autoridades e rechaçou apoio a irregularidades. Alexandre Lopes, advogado do empresário Miguel Iskin, tachou a prisão de ilegal. "Será revogada", disse. A GE alegou que as acusações sobre Speranzini Júnior são de quando ele trabalhava em outra empresa. A Ressonância mobilizou 180 policiais federais no Rio, São Paulo, Paraíba, Minas Gerais e Distrito Federal.

Prisões não impediram esquema

O combate à corrupção no Into, desde o ano passado, com a operação Fatura Exposta, que chegou a levar para prisão o ex-secretário de Saúde Sérgio Côrtes, não intimidou a nova direção. Com base em gravações telefônicas, mensagens de WhatsApp, e na delação premiada do empresário Leandro Rosa Camargo, da Per Prima Comércio e Representações Ltda, o MPF identificou que o esquema de propina foi mantido.

Foram presos o diretor André Luiz Loyelo Barcellos, além de Jair Vinnicius Ramos da Veiga, Luís Carlos Moreno de Andrade e João Batista da Luz Júnior e Rafael dos Santos Magalhães. "Ele (Loyelo) anuiu efetivamente com o esquema e participava", afirmou a procuradora Marisa Ferrari, em coletiva sobre a operação nesta quarta.

O Into informou que apoia as investigações do MPF, que contou com a atuação de outros órgãos, como o Tribunal de Contas da União (TCU).

Conta secreta no exterior

Contas secretas no exterior, falta de entrega de material e superfaturamento eram a mola propulsora do esquema de corrupção que envolvia empresas multinacionais. A alemã Drager, por exemplo, vendeu 45 focos cirúrgicos, equipamentos que produzem luzes especiais para cirurgias no Into, em 2007, por pouco mais de 712 mil euros, o equivalente a R$ 1,9 milhão com cotação de maio daquele ano, mas o MPF não encontrou documentos que atestassem a entrega do material.

Na operação desta quarta, a Justiça determinou busca e apreensão na casa do ex-secretário de Saúde Sérgio Côrtes. Ele não foi encontrado no local sob a alegação de estar acompanhando a filha em uma operação.

Segundo as investigações do MPF, Côrtes tinha conta secreta na Suíça de sua mulher Verônica Vianna, que alegou não saber. Outras contas em nome dela, mas com assinatura falsificada, foram abertas no Panamá e Bahamas.

Na Ressonância é enfatizado ainda a vida nababesca de Côrtes. Segundo o delator Benedicto Júnior, da Odebrecht, havia depósitos na conta de Verônica para bancar R$ 70 mil de estadia em resort em Itacaré, Bahia. Houve ainda pagamento de ingressos para a Copa de 2014 no valor de R$ 119.080 e até de vinhos, além de recursos para campanha a deputado federal. Côrtes ainda tinha casa alugada em Angra dos Reis.

*Colaboraram os estagiários Felipe Rebouças e Luana Dandara

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