Delegado Rodrigo Santoro chega ao presídio de Benfica, na Zona Norte  - Armando Paiva / Agência O Dia
Delegado Rodrigo Santoro chega ao presídio de Benfica, na Zona Norte Armando Paiva / Agência O Dia
Por Bruna Fantti

Rio - Cobranças para liberar uma falsa médica que injetava óleo de caminhão nas clientes e pedido de desculpas a chefes da milícia. Era assim que agia, por pelo menos dois anos, a quadrilha formada por policiais, bombeiros e agentes penitenciários, que era comandada, segundo o Ministério Público, pelo delegado Rodrigo Santoro.

As informações que desencadearam a operação Quarto Elemento, que levou à prisão 48 pessoas, entre elas, 26 policiais, contou com a ajuda de um homem que atuava como policial civil mesmo sem nunca ter feito concurso para a instituição. Com sala própria e viatura, ele trabalhou para Santoro como informante e fez um acordo de delação após ser preso, em 2017.

O DIA teve acesso a trechos do depoimento do colaborador, que se encontra no sistema de proteção à testemunha após ser ameaçado de morte. Com detalhes e provas físicas, o falso policial relatou os golpes da quadrilha, que visavam liberar qualquer pessoa que praticasse um crime mediante pagamento de propina. Segundo a investigação, eles chamavam o golpe de 'bote' e a propina de 'credcrime'.

Delegado Rodrigo Santoro é um dos alvos da operação - Reprodução

Em outubro de 2017, o colaborador disse que a vítima foi "uma falsa médica que fazia aplicação de silicone de caminhão em mulheres, como procedimento estético, sem qualquer autorização".

Em um relatório feito pela Subsecretaria de Inteligência (Ssinte), que investigou o desvio de conduta dos policiais, foi anexado um documento com o carimbo do delegado Santoro. Nele, um inspetor de sua confiança o utiliza para autorizar a checagem da denúncia. E ele justificou dizendo que a mulher "não é habilitada para o serviço, além dos produtos serem falsificados, colocando em risco a saúde de vários clientes".

R$ 50 mil pela liberdade

Na ação de checagem, o colaborador diz que após localizarem o consultório e confirmarem que o procedimento ilegal era realizado, resolveram dar o bote. Enquanto a vítima chorava, eles filmaram ampolas do óleo mineral e medicamentos que eram injetados nas pacientes para fins estéticos. Quando estavam prestes a levá-la para a delegacia, ofereceram um acordo: R$ 50 mil pela sua liberdade. A esteticista, então, acionou uma sobrinha para fazer o pagamento.

O Ministério Público e a Ssinte comprovaram as informações com quebra do sigilo telefônico dos envolvidos, que mostram conversas a respeito. Eles também localizaram a sobrinha que efetuou o pagamento que reconheceu os policiais citados pelo colaborador. A falsa médica não foi localizada e é alvo de uma atual investigação da Polícia Civil.

Entre a quebra de sigilo dos celulares dos envolvidos há conversas em que eles comemoram os golpes. Pelo WhatsApp, um denunciado escreveu: "Cara de quem deu o bote certo", com uma foto em um local de sol. Outro agente, responde, rindo: "Cara de quem trabalha na legalidade". Para o promotor Michel Zoucas, um dos autores da denúncia, "eles falavam com ironia nas conversas para o fato de trabalharem à margem da lei".

Ao ser preso, Rodrigo Santoro estava lotado em serviço burocrático, mas já passou por delegacias como Santa Cruz, Campo Grande, Bangu e Niterói. Ele sempre solicitava a transferência da equipe dele para os locais onde iria trabalhar. Em depoimento, negou as acusações.

Três Pontes daria dinheiro a Santoro

Entre as informações passadas pelo colaborador está a de que Luiz Antônio Braga, conhecido como Zinho, chegou a ser detido pela equipe da 36ª DP (Santa Cruz) em 2017. Zinho é irmão de Carlinhos Três Pontes, que na época estava vivo e comandava a maior milícia do estado. Na ocasião, Santoro estava de férias, assim como seu inspetor de confiança, Delmo Nunes.

Orientados pelo delegado Thiago Luis Martins, os inspetores exigiram R$ 20 mil para a liberação de Zinho, que retrucou dizendo que seu irmão Carlinhos já tinha um acerto de pagamento com a delegacia "para não mexer com o pessoal da milícia". Mesmo assim, aceitou realizar o pagamento e foi liberado. O delegado Thiago Luis teria separado R$ 4 mil em um armário para entregar a Santoro e Delmo. O depoimento de Zinho chegou a ser incluído no sistema da Polícia Civil, mas deletado. O documento foi recuperado na investigação.

Quando retornaram de férias, Delmo tomou conhecimento da situação e foi pessoalmente pedir desculpas a Carlinhos Três Pontes dentro da Favela do Aço pelo ocorrido e disse que iria afastar o inspetor que fez a exigência da propina.

O delator também contou a respeito de outros golpes aplicados pela equipe de Santoro. Entre eles está a de um bote que rendeu R$ 1 milhão de um contrabandista de cigarros. Além do dinheiro, ficaram com parte da mercadoria.

Também apreenderam roupas falsificadas de um comerciante. Elas foram divididas pelos policiais na delegacia, inclusive por Santoro.

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