Pai inventou que tinha sofrido uma tentativa de sequestro do filho em Queimados, na Baixada - Reprodução / Internet
Pai inventou que tinha sofrido uma tentativa de sequestro do filho em Queimados, na BaixadaReprodução / Internet
Por WILSON AQUINO

Rio - O vídeo exibe um homem, com um bebê no colo, na porta da 53ª DP, em Mesquita, na Baixada. Ele faz um alerta assustador: "Cuidado, 'nêgo' está roubando criança. O negócio é sério. Acabei de sofrer um atentado", afirma mostrando a camisa rasgada, segundo ele, pelos sequestradores, quando tentavam arrancar o filho, de 8 meses, dos seus braços.

Tão logo o homem terminou de narrar o episódio, o vídeo foi jogado nas redes sociais. Em poucos minutos, o delegado Matheus Romanelli, titular da 53ª DP, também recebeu as imagens pelo WhatsApp, na delegacia. Determinou ao chefe do Serviço de Investigação, inspetor Jorge Ouverney, que apurasse. "Era algo muito grave e que me chamou atenção por ser atípico", justificou.

A investigação não foi longe. A tentativa de sequestro era uma farsa engendrada por Luiz Fernando Neves Lara, morador da Baixada, de 30 anos, que está desempregado. Ele confessou que inventou a história porque não queria ficar com a criança e acreditava que, ao saber da tentativa de sequestro, a ex-mulher ia ficar tão apavorada e não dividiria mais a guarda do filho com ele. Sobre as roupas rasgadas, Lara contou que foi durante uma briga com a ex-mulher. Porém, o estrago já estava feito. O vídeo viralizou nas redes sociais e juntou-se aos demais que ajudam a difundir a falsa ideia de que há uma 'onda' de gente sequestrando crianças no Estado do Rio.

"É lamentável. As notícias falsas alteram a rotina das pessoas, influenciam a vida dos outros e, em alguns casos, geram tragédias", reclamou o presidente da Comissão de Direito Digital da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB/SP), regional da Lapa, José Antonio Milagre. Ele defende revisão da legislação para que a Justiça aplique penas mais severas a quem cria e compartilha boatos nas redes sociais. "As penas são muito brandas".

No caso de Lara, ele foi autuado por Falsa Comunicação de Crime. Assinou um termo se comprometendo a comparecer ao Juizado Especial Criminal e foi liberado. "Por ser um crime de menor potencial ofensivo, ele deve ser condenado a seis meses, mas deve cumprir pena alternativa", estimou o delegado. Antes de liberarem Lara, policiais lhe pediram que fizesse um novo vídeo, confessando a mentira. Ele gravou e se desculpou. Mas o vídeo do pedido de desculpas, não viralizou tanto. Então muita gente acreditou no primeiro.

Falsas notícias acabaram em tragédia

Segundo o chefe do serviço de Investigação da 53ª DP, Jorge Ouverney, não há casos de sequestro de crianças em Mesquita. O que existe são muitas noticias falsas circulando. "O boato induz à desgraça", preocupa-se o policial. E não é para menos.

Ao redor do mundo são muitas as tragédias motivadas por notícias falsas compartilhadas nas redes sociais. Na Índia, nos últimos dois meses, 27 pessoas foram linchadas por causa de fake news sobre tráfico e sequestro de crianças.

No Brasil, caso semelhante aconteceu no Guarujá, no litoral de São Paulo, em 2015. A dona de casa Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, foi espancada até a morte por dezenas de moradores. Segundo a família, ela foi agredida a partir de um boato gerado por uma página em uma rede social que afirmava que a dona de casa sequestrava crianças para utilizá-las em rituais de magia negra. "As pessoas precisam entender que antes de repassar uma informação é necessário checar a origem da notícia e confrontar com veículos confiáveis", ensina o especialista em mídia digital José Antonio Milagre.

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