Rio - Um desmoronamento na Estrada Francisco da Cruz Nunes, no Morro da Boa Esperança, em Niterói, na Região Metropolitana, deixou 15 mortos e, ao menos, dez feridos. Segundo o Corpo de Bombeiros, a corporação foi acionada por volta das 5h deste sábado e nove casas e uma pizzaria teriam sido atingidas. Os militares, agentes da saúde, assistentes sociais, Defesa Civil, Secretaria de Obras, de Conservação e Serviços Públicos estão no local. O DIA confirmou com as Defesas Civil Estadual e Municipal e com o Corpo de Bombeiros que o deslizamento ocorreu por conta do deslocamento de um maciço. Por estar coberto por vegetação, essa formação não era perceptível para os moradores.
Segundo essas fontes, esse é um processo geológico natural e não pode ser previsto. No local, também não poderiam ser construídas moradias.
Os mortos listados pelo Corpo de Bombeiros são: Alan Ferreira Teles, 29, Amanda Tomás — casal que morreu soterrado e chegou a conseguir falar com o Corpo de Bombeiros; Janete, 55 anos; Maria Madalena, 56 anos; Maria do Carmo, 80 anos; Claudiomar, 37 anos; um menino de 3 anos; uma menina de 9 anos e mais três adultos. O Hospital Estadual Azevedo Lima confirmou a morte de Arthur Caetano Carvalho, 3 anos, na tarde deste domingo. Ele era um dos feridos, em estado grave, e não sobreviveu. Ainda há vários pacientes internados vítimas do deslizamento. Entre eles, uma criança de 2 anos, e as demais têm entre 20 e 30 anos. Outras quatro pessoas, que seriam quatro mulheres, estão desaparecidas.
A domestica Rosemary Caetano da Silva, de 48, moradora da comunidade há 25 anos e que ficou ferida no deslizamento, afirma que a neta de 8 meses está nos escombros. "Minha neta de 8 meses está lá soterrada. Consegui tirar um neto (de 3 anos) meu que está no hospital e meus filhos estão lá. Tudo o que está acontecendo aí, todo mundo sabia que ia acontecer. A Defesa Civil chegou a interditar as casas, falou que tomaria providência (mas não tomou)", disse Rosemary.
"Choveu muito em Niterói nesses últimos dias e o município estava em estágio de alerta e as pessoas estavam avisadas para buscar locais seguros", informou o comandante do Corpo de Bombeiros, Roberto Robadey. O trabalho dos militares devem durar pelo menos 48 horas. "Eu tenho 33, quase 34 anos de serviço e não me acostumo com isso. Nesse momento, lembramos dos nossos filhos, sobrinhos e parentes e ficamos devastados. Mas esse é o nosso trabalho", completou Robadey.
"Trabalhamos o tempo todo com a possibilidade de encontramos os desaparecidos com vida. Acreditamos que há algumas pessoas em bolsões de ar. A Defesa Civil de Niterói fez vistoria em algumas casas e elas foram interditadas. Sobre essas casas do entorno, orientamos que as pessoas saiam e procurem abrigos em outros locais, como casa de parentes e amigos”, afirmou o tenente-coronel Luciano Sarmento.
Já o presidente da associação de moradores, Claudio dos Santos, disse que as casas estavam interditadas pela Defesa Civil, mas os moradores não queriam sair. "Cheguei a avisar que estava preocupado com a chuva, que era para saírem, mas morador é complicado".
A dona de casa Bia Lima, de 34 anos, relatou que o momento do deslizamento “foi parecido como um estrondo de transformador explodindo”. “As pessoas que estava passando na rua, acredito que seja pra trabalhar, começaram a gritar desesperadas”, lembrou a mulher. Moradores também relataram que choveu na região por quatro dias consecutivos.
O motorista Edson Vanderson Santos, de 40 anos, relatou que entre os mortos está o seu amigo — carinhosamente conhecido como “Peroba”. “Sempre pedi pra ele sair porque tinha uma pedra e um barranco. Onde ele morava, infelizmente, era horrível mas ele precisava morar. Estou arrasado com o que aconteceu”, diz o homem que durante todo o tempo acompanhava a remoção dos corpos e do escombro.
“Eles não moravam lá. Ontem, eles foram em uma festinha de criança do filho de um amigo deles. Por eles morarem longe, eles decidiram dormir lá. Hoje pela manhã, a irmã dele me ligou dizendo o que tinha acontecido. A Amanda ainda ligou para a minha sobrinha (irmã do Alan) falando que estavam soterrados e pedindo socorro. O Corpo de Bombeiros ligou, conseguiu falar com ela, no entanto, eles perderam o contato. Agora eles informaram que o meu sobrinho e a esposa morreram. Acredito que nesse meio tempo, eles morreram debaixo dos escombros. Nesse local, um bebê de oito meses acabou morrendo soterrado", disse Vilma Rosa, tia de Alan.
Questionada sobre a política de prevenção de acidentes deste tipo, a Prefeitura de Niterói informou que, desde 2013, investiu R$ 150 milhões em obras de contenções de encostas na cidade. Ainda de acordo com a prefeitura, uma base de apoio para o acolhimento das famílias desabrigadas foi montada no Colégio Estadual Portugal Neves, em Ipiratininga (Niterói). No local, estão sendo oferecidas refeições e cestas básicas.
O prefeito Rodrigo Neves (PDT) disse que a região não foi definida como prioritária no mapeamento de risco do Departamento de Recursos Minerais do Estado do Rio de Janeiro (DRM) e que, deste modo, não havia casas interditadas. "Não foi deslizamento de encosta, mas rachadura de um maciço de Área de Preservação Ambiental (APA), portanto não havia necessidade de contenção de encosta", afirmou Neves que estava em Barcelona, na Espanha no momento do deslizamento. Entretanto, a Defesa Civil do município já havia interditado sete casas e a pizzaria, no último ano, após uma queda de barreira na mesma localidade.
Eu vim (em Barcelona) representar os prefeitos brasileiros no congresso mundial sobre mudanças climáticas. Cheguei a cinco horas atrás e quando fui informado, cancelei o painel e daqui a pouco retorno ao Brasil. Nem sai do aeroporto. Estamos prestando assistência às famílias e trabalhando para encontrar as pessoas que estão desaparecidas e precisam de resgate”, disse Neves.
A diretora de geologia do DRM, Aline Freitas da Silva, no entanto, disse que a informação do prefeito é equivocada. "A prefeitura está incorreta e equivocada em dizer que o DRM fez inspeções aqui. O único mapeamento do órgão foi em Jurujuba, entre 2016 e 2018. Aqui não foi feito mapeamento por nós e nem fomos solicitados para fazer o estudo. É importante dizer que, a obrigação era da prefeitura verificar se aqui era área de risco ou não", disse.
Em nota, o governador eleito Wilson Witzel (PSC), informou que lamenta "o ocorrido e se solidariza com familiares e amigos das vítimas." "Queria manifestar minha solidariedade Às vítimas e aos familiares. O coronel Roberto Robardey me disse que existe um mapeamento das áreas de risco do estado. Vou pegar essa mapeamento e começar, já em janeiro, a construção de unidades onde serão colocadas essas pessoas em situação de risco. E cobrar que as prefeituras municipais não as pessoas voltarem para essas áreas", disse Witzel, ao deixar o local. O governador Pezão disse, em comunicado, que está mobilizado em auxiliar a prefeitura de Niterói, lamentou as mortes ocorridas e se solidarizou com as famílias que perderam parentes na tragédia. "Desde a madrugada deste sábado, equipes do Corpo de Bombeiros e da Defesa Civil do Estado, além da Polícia Militar, estão no local auxiliando os trabalhos da prefeitura", afirma trecho do documento.
Na próxima segunda-feira, o vereador do Paulo Eduardo Gomes (Psol) e outros políticos prometem ir à Câmara Municipal de Niterói ao gabinete do prefeito Rodrigo Neves para buscar mais informações sobre o deslizamento da comunidade da Boa Esperança. "Nós faremos uma oposição crítica e não vamos ficar como abutres sobre essa situação. Queremos descobrir se isso foi um acidente ou uma negligência. Aqui mesmo, a secretária de planejamento, Giovana Victer, disse que essa comunidade não constava como área de risco. O que fica claro aqui é a incapacidade de perceber e prevenir um desastre", avalia Paulo Eduardo.
Para Regina Bienstein, professora de Urbanismo UFF e representante suplente da faculdade no Conselho de Política Urbana, o morador não pode ser culpado em tragédias como essa. "Me causa espanto quando as pessoas falam que os moradores sabiam do risco e mesmo assim construíram no local. Não adianta dizer para as pessoas saírem, tem que dar alternativa para que elas saiam de lá. Cabe ao poder público cuidar disso. Niterói nunca teve uma política habitacional e tem mais de 40 mil moradias em assentamentos precários", afirma.
Defesa Civil: região não era diagnosticada como de alto risco geológico
Cerca de 200 profissionais da Defesa Civil de Niterói, secretarias de Obras, Conservação, Assistência Social, Saúde e Companhia de Limpeza estão, desde as primeiras horas da manhã, trabalhando de forma integrada com as equipes do Corpo de Bombeiros e da Defesa Civil Estadual no socorro às vítimas do rompimento do maciço. Agentes da NitTrans e da Guarda Municipal estão coordenando o acesso à região.
A Prefeitura municipalizou sistema de alertas e alarmes por sirenes em setembro de 2016, quando o Governo do Estado anunciou que não poderia arcar com a manutenção dos equipamentos. Em nenhum momento o serviço deixou de funcionar na cidade e, atualmente, Niterói conta com 33 sirenes de alerta para desastres naturais em 28 pontos, além de 51 pluviômetros. Já foram implantados 52 Núcleos Comunitários de Defesa Civil (Nudec), com 200 voluntários capacitados em primeiros socorros, prevenção e combate a incêndio, percepção de riscos geológicos, sistema de alerta e alarme e gestão de voluntariado.
O município também criou o grupo Executivo para o Crescimento Ordenado e Preservação das Áreas Verdes, que realiza a fiscalização em áreas verdes e a prevenção do crescimento desordenado. Só no último ano, foram realizadas 120 demolições de construções irregulares na cidade. Em caso de emergência, a população pode acionar a Defesa Civil pelos telefones 199, 2717-2631 e 2620-0199.
Morro do Bumba
Há oito anos, Niterói sofreu tragédia semelhante: 48 pessoas morreram no desmoronamento do Morro do Bumba. O principal motivo para a catástrofe foi a construção de casas em um terreno instável, onde no passado havia um lixão.
De lá para cá, a região voltou a ser habitada, pois moradores alegam que com o dinheiro recebido pelo aluguel social, de R$ 400, não conseguem pagar uma casa que não seja em área de risco.
*Reportagem de Rafael Nascimento, com colaboração de Francisco Edson Alves, Karilayn Areias, Lucas Cardoso e Luiz Franco (estagiário)