21/11/2018 - Especial / Dominical - Entrevista com o procurador regional da Repblica, Carlos Aguiar, um dos participantes da operao Furna da Ona, que colocou na priso diversos deputados estaduais do Rio de Janeiro. Aps a operao, o procurador chegou a afirmar que a ALERJ se transformara numa espcie de propinolndia. Foto de Alexandre Brum / Agncia O Dia - CIDADE JUSTIA CIDADANIA BLOG COLUNA POLITICA CORRUPO CRIME  MINIST?.RIO PBLICO FEDERAL DEPUTADOS PARLAMENTAR ALERJ CMARA DOS DEPUTADOS GOVERNO ESTADO SECRETARIA GOVERNABILIDADE DESENVOLVIMENTO PA?.S BRASIL RIO DE JANEIRO FURNA DA ONA PROPINOLNDIA - Alexandre Brum / Agencia O Dia
21/11/2018 - Especial / Dominical - Entrevista com o procurador regional da Repblica, Carlos Aguiar, um dos participantes da operao Furna da Ona, que colocou na priso diversos deputados estaduais do Rio de Janeiro. Aps a operao, o procurador chegou a afirmar que a ALERJ se transformara numa espcie de propinolndia. Foto de Alexandre Brum / Agncia O Dia - CIDADE JUSTIA CIDADANIA BLOG COLUNA POLITICA CORRUPO CRIME MINIST?.RIO PBLICO FEDERAL DEPUTADOS PARLAMENTAR ALERJ CMARA DOS DEPUTADOS GOVERNO ESTADO SECRETARIA GOVERNABILIDADE DESENVOLVIMENTO PA?.S BRASIL RIO DE JANEIRO FURNA DA ONA PROPINOLNDIAAlexandre Brum / Agencia O Dia
Por ADRIANA CRUZ

Rio - Os deputados presos na Operação Furna da Onça, do Ministério Público Federal, trabalhavam na Assembleia Legislativa 100% em prol dos seus interesses políticos e financeiros. Assim surgiu o termo 'propinolândia', cunhado pelo procurador regional da República Carlos Aguiar, coordenador do Núcleo Criminal de Combate a Corrupção, da Procuradoria Regional da República da 2ª Região. Foram presos dez parlamentares dois já estavam na cadeia e um em prisão domiciliar. O poderio dos alvos ficou demonstrado pelo fato de terem recebido informações sobre a ação sigilosa. Além dos deputados, o então secretário de Governo Affonso Monnerat estava pronto para receber os agentes da Polícia Federal.

ODIA: A Lava Jato mudou o desenho do Legislativo e Executivo. Há nove deputados e secretário exonerado do Governo presos. Qual a avaliação dos rumos da operação no Rio?

CARLOS AGUIAR: A Lava Jato, a cada dia, se mostra um ponto fora da curva. Você acaba experimentando novas realidades e isso dificulta qualquer projeção em termos de futuro, do que ela é capaz de alcançar. O fato é que, desde o início em Curitiba, ninguém imaginava que chegaríamos a esse nível, muito embora fosse possível prever o alto grau de corrupção existente no estado. São nove presos, mas tem a cúpula do Detran investigada, é sintomático.

O Rio já teve, ao mesmo tempo, três ex-governadores presos. Qual a expectativa de mudanças no Executivo e Legislativo?

A gente tem que trabalhar com os fatos. Há muito trabalho a ser realizado. A Furna da Onça (operação) mostrou, a despeito de várias etapas da Lava Jato, que deputados agiam com desenvoltura, praticando série de atos de corrupção, desviando a finalidade de atuar em prol do bem comum, menosprezando a relevância do cargo. Enfim, traíram o povo. O que eles mais faziam era atuar em prol de um projeto próprio de poder e enriquecimento ilícito. Estamos longe de alcançar um cenário positivo. A cultura da corrupção ainda é muito forte.

O senhor acha que as pessoas começaram a associar a falência do estado à corrupção?

Quando você relaciona à corrupção as mazelas, desvio de dinheiro, insegurança, falta de prestação de serviço básico, passa a ter uma capacidade maior de cobrar postura diferente. Mas isso não está na pauta do dia do cidadão. A cultura de combate à corrupção não está só no alto escalão. Olha quantas pessoas aceitam os cargos dos deputados. Pedem carros pipa, jogo de camisa para o seu time, enxergam o deputado como um shopping center de clientelismo.

Com 22 anos de MPF, o senhor já investigou muitas máfias. O que essa nova clientela faz de mais audacioso, absurdo?

O fato de haver indícios de que eles tiveram conhecimento prévio da operação (Furna da Onça) é extremamente grave. Deixa a ideia de uma organização criminosa com capacidade para colocar ouvidos em diversos ambientes. Não é qualquer um que consegue esse nível de ingerência a ponto de saber que vai ser alvo de investigação sigilosa. Isso mostra o grau de impetuosidade e força dos personagens.

E o que mais marcou nessa investigação?

Todo o tempo desses deputados era para atuar em prol dos interesses políticos e financeiros deles. O que o sujeito faz com aparência de estar atuando em prol do interesse coletivo, como mandar carro pipa para abastecer uma comunidade, é com viés político. Um deputado (Luiz Martins) que se dispõe a ligar para o presidente da Cedae para dizer que precisa atender uma comunidade, não é por espírito público, mas por curral eleitoral. Ele disse: eu voto contra a privatização da Cedae e vocês não me atendem. Vai fazer isso depois da eleição. O cronograma não é a necessidade do cidadão, é a política.

Interesse pessoal acima de tudo e de todos?

A privatização da Cedae foi posta como contrapartida para o socorro ao Rio pela União. Isso foi assegurado no momento do pedido de socorro financeiro. O estado corre o risco de ter que pagar por isso. Você não pode exercer uma atividade relevante dessa com esse nível de irresponsabilidade.

E com relação às artimanhas, armações?

A gente percebe que 100% do tempo do deputado era em prol dos interesses deles ou do grupo político. As votações eram episódicas, feitas por necessidades pontuais. Esse caras são senhores feudais porque cada um tem a sua área territorial e dentro do estado e tem assessores que se prestam a fazer a movimentação financeira.

São os chamados 'soldados' da propina?

Diria que são os operadores da propina, fazem gerir o esquema de forma a preservar a figura do deputado. O dinheiro ilícito não pode transitar na conta do deputado. São imprescindíveis para que a máquina criminosa se movimente. São nomeados há décadas nos gabinetes. Se não me engano, o assessor do André Correa movimentou R$ 34 milhões. Recebemos um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras com mais de 400 páginas.

O que levou o senhor a cunhar a palavra 'Propinolância' para descrever a Assembleia Legislativa?

Não quis ser desrespeitoso com a instituição. Reconheço que, como um dos pilares da Democracia, o Legislativo é fundamental para o fortalecimento do estado Republicano. Tenho respeito sobretudo pela Alerj.

Mas 'Propinolândia' fez a diferença.

'Propinolândia' se refere às práticas negativas que foram por décadas instituídas naquele prédio histórico. Acho que esses personagens investigados denegriram a imagem da Alerj, que hoje está se confundindo com a ideia de esquemas, atuação de bastidores, por baixo dos panos, de traição do povo, e isso deve ser resgatado. Ali é um ambiente onde se deve exercitar o interesse público. Agora, a gente colocou o nome da Operação Cadeia Velha em homenagem à Alerj, Furna da Onça, aliás os dois nomes foram colocados por um colega da Lava Jato, Rodrigo Timóteo. Desta vez, não foi a PF.

Qual a importância das parcerias da Lava Jato com outros órgãos?

É um trabalho em equipe. Cada órgão com seu rol de atribuições se dedica para chegarmos ao resultado. A essência é ser composta por diversos órgãos, Polícia Federal, Receita Federal, outros de controle e o Judiciário.

Antes, as investigações eram muito fechadas por causa de vazamento. É uma mudança de cultura?

Os órgãos integram a equipe com a premissa do sigilo. Hoje, está presente a ideia de integrar para reagir melhor. Hoje, virou um protocolo recorrente.

O senhor martelou a questão do vazamento. Há investigação sobre os responsáveis?

Tem que apurar. Agora, o vazamento mostra também a postura de cada um. Ninguém quis mostrar inocência, dá a cara a tapa. O que a gente viu foi movimento para ocultar provas e dissimular informações. Os deputados, principalmente.

Mas, muitas vezes, a Lava Jato do Rio prende e a Justiça solta.

Quando você tem uma decisão que revoga um mandado de prisão, nos resta recorrer, resignados não ficamos. Neste trabalho (Furna da Onça), o Tribunal Regional Federal da 2ª Região em um acórdão inédito, unânime, decretou as prisões temporárias e preventivas. Mostra a força dos elementos obtidos e submetidos ao Judiciário. É claro que os tribunais superiores podem reformar.

Mas teve uma época que o juiz Marcelo Bretas prendia e o ministro Gilmar Mendes soltava.

A gente percebe que o juiz Marcelo Bretas se preocupa em ser técnico, as decisões dele que determinavam as prisões estavam corretas. Há pontos de vistas diferentes. Pode ser que o ministro Gilmar Mendes não tenha chegado à mesma conclusão. Faz parte do jogo processual.

Muitos juristas contestam as delações premiadas.

Não vejo razão técnica para os questionamentos à colaboração premiada. É parecido com o da interceptação telefônica. Quando elas apresentaram resultado, muitos gritaram que era interferência na vida privada que no final das contas era para criar embaraço à investigação. Supremo homologou. A colaboração é instrumento de acusação, mas de defesa. O caminho é incômodo, confessa o crime, fala da esposa, filho, devolve dinheiro, se submete a penas, uma série de mazelas. Você consegue devolução de valores e penas mais rápidas. Quando juristas torcem o nariz para a colaboração, o que a gente percebe é falta de conhecimento ou quer preservar algum mercado. Do ponto de vista técnico e processual não há justificativas para críticas.

Chamam muito de justiça injusta, sem provas.

Você não inventa fatos. Tudo que o colaborador trouxer tem que ter prova de corroboração. O alvo vai ter direito de defesa e apresentar prova em contrário. Não é benefício antiético, não é fácil, é fechado com a minoria. Veio para ficar.

Vem muito mais Lava Jato por aí?

Você inicia um trabalho e surgem outras frentes.

As operações se entrelaçam muito?

Há um volume grande de informações, nem sempre conseguimos usar. Mas pegamos links que se desdobram em outras operações. Um exemplo são as planilhas apreendidas com a assessora do Edson Albertassi (Shirlei Aparecida Martins Silva). Nosso enfoque era esquema de corrupção envolvendo Fetranspor, empreiteiras, com a Cadeia Velha, e a apreensão da planilha nos chamou a atenção da distribuição de cargos. Aliamos a outras informações, delação do Carlos Miranda, as coisas foram se entrelaçando e surgiu a Furna da Onça. A Lava Jato não está no capítulo final.

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