Rio - Na manhã do último sábado, um menino de 9 anos estava perdido no bairro do Flamengo, na Zona Sul. Levado por transeuntes à 9ª DP (Catete), ele contou que mora em Magé, na Baixada Fluminense, e tinha saído com um amigo para ir à praia e se perdeu. Não bastasse o desamparo familiar a 65 quilômetros de casa, a criança ficou 11 horas dentro da delegacia, sendo oito horas sem um conselheiro tutelar, até sair com a avó. O somatório de absurdos expôs um novo capítulo da crise da Prefeitura do Rio, que acumula dívida com a cooperativa de transporte de 18 dos 19 conselhos tutelares do município.
Os motoristas não trabalham há dois dias, o que coloca em risco o atendimento às crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. Para poder dar assistência ao garoto na 9ª DP, uma conselheira precisou pedir 'carona' a uma van da Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos, que teve de interromper um trabalho de abordagem nas ruas para transportar a profissional. Embora a delegacia tenha feito contato com o Conselho Tutelar da Zona Sul desde cedo, ela só conseguiu chegar às 16h07.
"Os motoristas da cooperativa não estão trabalhando porque não receberam, e aí a gente está sem carro. Por isso, vim com outra equipe. A gente podia pedir apoio de qualquer órgão que trabalha 24 horas, inclusive da delegacia. Se houvesse a necessidade de levar essa criança ao acolhimento, eu realmente precisaria do carro", esclareceu a conselheira tutelar Ivana da Silva Souza. Ela disse ainda que o Conselho tem um veículo de passeio nos dias úteis, mas está sem freio há um mês.
O Conselho Tutelar é o órgão municipal responsável por zelar pelos direitos das crianças e adolescentes. Segundo a conselheira Ivana Souza, o trabalho fica praticamente estacionado sem o transporte. "Essa paralisação afeta as visitas domiciliares, as reuniões em promotoria e na Vara de Infância, entrega de relatórios que precisamos encaminhar a outros conselhos ou órgãos, visitas à Delegacia da Criança e Adolescente Vítima, muita coisa. Ficamos com as mãos atadas, sem poder trabalhar", contou.
O presidente da cooperativa Coop Rio explicou que não se trata de greve, mas interrupção do serviço, que abrange 36 veículos com motoristas e combustível, por falta de pagamentos. "Em dezembro faz quatro meses sem pagamentos, com uma dívida de R$ 763,2 mil e sem previsão", disse Ailton Amaral.
O menino informou aos policiais o nome completo da avó, com quem mora, e os agentes conseguiram contato com ela por volta das 11h. Ela chegou à 9ª DP somente às 18h30 e não quis falar com O DIA. "Ele deveria ter sido levado a um local onde ficaria mais bem acolhido. Delegacia não é ambiente para criança, porque imprevistos podem ocorrer. Mas, como não tinha transporte, o melhor foi mantê-lo lá, já que não se pode transportar criança em viatura policial. A presença do conselheiro é fundamental porque é o profissional preparado para lidar com uma criança em estado de pânico", destacou a especialista em direitos da criança e do adolescente, a advogada Cátia Vita.
Secretaria aguarda a liberação de recursos
A Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos informou que já efetuou todos os trâmites para normalizar o serviço de transporte ao Conselho Tutelar e aguarda a liberação dos recursos. "Cabe ressaltar que ações emergenciais estão sendo realizadas de forma que os conselhos não fiquem sem transporte até que a situação seja resolvida. A secretaria está providenciando carros que atenderão aos conselhos".
Em relação aos menores que tenham se perdido dos pais e levados para alguma delegacia, o órgão argumentou que "nem sempre é necessário a presença de um conselheiro tutelar, já que a própria delegacia pode providenciar o contato com os pais". E que o Conselho Tutelar tem autonomia para aplicar as medidas cabíveis nas situações em que houver necessidade.
Os policiais colocaram desenho animado para o menino ver e deram lanches. Apesar da boa vontade, eles destacaram que a presença do Conselho é necessária, até para permitir a normalidade do trabalho na delegacia. Um relatório será remetido ao Conselho Tutelar de Magé, que vai convocar a família e avaliar as medidas cabíveis quando for notificado. Se houver necessidade, o Ministério Público pode ser acionado. A Polícia Civil não confirmou se a criança saiu acompanhada e não deu outras informações.