Kátia Silene, mãe da menina Jenifer Gomes - Estefan Radovicz / Agência O Dia
Kátia Silene, mãe da menina Jenifer GomesEstefan Radovicz / Agência O Dia
Por RAFAEL NASCIMENTO

Rio - A mãe da pequena Jenifer Silene Gomes, de 11 anos, morta por um tiro no peito em Triagem, na Zona Norte, nesta quinta-feira, desabafou após liberar o corpo da filha no Instituto Médico Legal (IML), no Centro do Rio. Ela questionou a política de abate do governador Wilson Witzel, que faz a primeira criança vítima de bala perdida no Rio. O velório acontece na capela Santa Isabel, no Cemitério de Inhaúma, onde ocorrerá o sepultamento às 16h. 

"O governador não pode deixar que a polícia entre e tire a vida de todo mundo. Ele não pode deixar isso acontecer, está errado. Bandido é bandido, polícia é polícia, e morador é morador. Ali somos pessoas de bem e dignas. Se moramos ali é porque necessitamos e precisamos. Se não precisássemos estaríamos morando na Barra ou em Copacabana. O governador deu ordens para atirar e olha aí! Eles tiraram uma vida. É a primeira criança a ser morta em 2019. E aí, como fica a vida da minha filha? Quem vai trazer de volta?", desabafou Katia Silene Gomes, 44 anos.

Katia conta que a menina tinha saído para a escola, mas acabou não conseguindo embarcar no ônibus com o irmão, pois o motorista fechou a porta antes dela entrar. Com isso, ela acabou voltando para casa, sendo vitimada na porta do comércio da mãe. 

"Ela tentou ir para a escola, mas voltou. Levei ela ao mercado para comprar produtos para o meu bar. Ela foi para casa e depois foi lá para o bar. Na hora do tiro, eu estava na cozinha do bar. Quando eu escutei os tiros, corri e gritei para ela entrar para dentro de casa", conta, dizendo que a filha pediu ajuda.

Katia Cilene, mãe de Jenifer, que morreu após ser baleada com um tiro no peito em Triagem. Ela e moradores acusam a PM de atirar - Rafael Nascimento / Agência O Dia

Ela disse que estava cozinhando num bar quando ouviu uma rajada de tiros. "O tiro acertou no peito da minha filha. Ela caiu e perguntou: 'Mãe, eu ganhei um tiro'. E eu falei: 'Que isso Jenifer?'. E nisso ela foi caindo. Eu pedi ajuda aos moradores e os policiais não deixaram nenhum morador ajudar. Eles estavam dando tiro. Eles não deixaram socorrer minha filha. Lá não tinha bandido", conta.

Questionado sobre as afirmações da mãe da menina, governador Wilson Witzel, em nota, disse que "lamenta profundamente a morte da menina Jenifer Gomes" e que ordenou à Delegacia de Homicídios uma investigação rigorosa do caso, "com foco no crime organizado da região". "O Governo do Estado trabalha para dar segurança à população e diminuir os índices de criminalidade do Rio de Janeiro", finalizou.

 

Sonhos interrompidos: terceiro filho vítima da violência

Katia disse que o sonho da filha era ser bailarina e que em breve ela faria a matrícula da menina em uma aula de ballet. Infelizmente o disparo interrompeu o projeto da criança de apenas 11 anos. 

"Minha filha tinha sonhos, era estudante e aconteceu isso com ela. Era uma criança excelente, todo mundo da comunidade e da escola gostavam dela, tanto que agora todos estão perguntando a hora do enterro, pois os colegas da escola querem ir. Ela gostava de fazer educação física, sempre me pediu para colocá-la no ballet, pois ela queria ser bailarina. Ela só tinha 11 anos", insiste a mãe da menina. 

"Hoje eu só quero justiça pela vida da minha filha. Ela era a minha caçula. Eles tiraram uma parte do meu coração. Isso tem que acabar. Foi a minha filha, mas poderia ter sido outra criança. Como vai ficar essa situação? Eles chegaram na comunidade já tirando vida e ninguém faz nada. Não pode ficar impune. Eu quero e vou lutar pela morte da minha filha", disse, falando que somente depois um dos PMs ajudou no socorro.

Essa é a terceira tragédia na vida de Katia. Há alguns anos, quando ela estava grávida de gêmeos, mas abortou após ter uma eclâmpsia. Em 2012, dois filhos já rapazes foram assassinados depois que foram reconhecidos em um baile funk do Terceiro Comando Puro (TCP), facção rival da região em que eles viviam.

PMs vieram de linha férrea

A mãe da vítima, além de vários moradores, disseram que os policiais militares vieram pela linha férrea, através de um buraco que existe no muro das proximidades da estação de Triagem. "Os policiais, no primeiro momento, não deixaram socorrer minha filha. Não tenho dúvida que quem matou (Jenifer) foram os policiais. Eles entraram pela passagem (clandestina ) do metrô de Triagem, que os passageiros usam para atravessar de um lado para o outro", disse Kátia.

"A comunidade onde eu moro não é tão perigosa. A minha filha estava sentada na porta do meu bar, junto com outras crianças. De repente, saiu um monte de polícia. Ela sentada, eles começaram a atirar e não respeitaram as crianças que estavam ali. Sempre foi assim. Eles entram atirando", defendeu.

Katia disse que prestou depoimento à polícia. "Me perguntaram muita coisa. Só que, quando dois PMs entraram para depor, eles me pediram para eu sair. Então, algo de errado tem. Eu sou mãe e sei que tem algo de errado. Eu tinha que ter escutado a conversa toda. Ninguém do estado me ajudou. Apenas dois PMs me levaram para o Hospital Salgado Filho. Nem lá, ela sendo criança, eu não pude entrar. Não tenho dúvidas: esse tiro veio da polícia. Não sou só eu quem diz, mas toda a comunidade. Eles viram de onde o tiro partiu", falou. 

Um representante da Secretaria do Estado de Direitos Humanos disse que está ajudando a família e o sepultamento será gratuito. O velório, inicialmente marcado para a capela Santa Rita de Cássia, mas foi alterado para a capela Santa Isabel, a pedido da prefeitura. 

A mudança ocorreu para dar maior conforto e um atendimento centralizado à família, onde todos os serviços estarão concentrados no Cemitério de Inhaúma, procurando reduzir ao máximo o deslocamento de parentes e amigos que acompanham o velório e sepultamento", disse a Secretaria de Conservação e Meio Ambiente (Seconserma), responsável pela Coordenadoria de Controle de Cemitérios e Serviços Funerários.

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