Serguei - Wagner Roger/Reprodução
SergueiWagner Roger/Reprodução
Por RICARDO SCHOTT

Rio - O rock brasileiro fica mais triste e menos colorido. Morreu, na manhã de ontem, aos 85 anos, o cantor Sérgio Augusto Bustamante, o Serguei. O músico estava internado no Centro de Terapia Intensiva do Hospital Regional do Médio Paraíba (Hospital Doutora Zilda Arns), em Volta Redonda, no Sul Fluminense. De acordo com a Secretaria estadual de Saúde, a causa da morte foram "problemas cardíacos ocasionados por pneumonia, desnutrição e complicações senis".

Serguei foi transferido para o Hospital Zilda Arns, no último dia 28 de maio. O cantor chegou à unidade com quadro grave de arritmia e insuficiência respiratória. Antes, ele estava internado no Hospital de Saquarema, na Região dos Lagos, com um leve quadro de Alzheimer.

De acordo com médicos do hospital de Volta Redonda, o quadro do músico era delicado principalmente por causa da idade e de um histórico de doenças cardíacas. Ele precisaria de um cateterismo e de uma avaliação mais detalhada.

Em nota, a Prefeitura de Saquarema lamentou, "com profundo pesar", a morte do cantor, que morava no município. "O corpo do cantor será velado neste sábado, no plenário da Câmara Municipal de Saquarema, entre 08 e 11 da manhã, seguindo para o Cemitério de Saquarema", informou, através de nota.

Festa de São João

Nascido em 8 de novembro de 1933, Sergio Augusto Bustamante, seu nome verdadeiro, era filho único do executivo Domingos Bustamante e da dona de casa Heloísa Bustamante. Ganhou o apelido Serguei ainda na infância de um amigo russo que não conseguia pronunciar seu nome. Foi morar em Long Island, Estados Unidos, aos doze anos. Entre idas e vindas aos Estados Unidos, sua carreira musical começou em junho de 1951, quando fez seu primeiro show "numa festa de São João, aos 18 anos", quando lembrou numa entrevista. Trabalhou também como comissário de bordo antes da fama.

Serguei começou a gravar em 1966, quando lançou o compacto 'As Alucinações de Serguei'. Daí para a frente, foi uma discografia repleta de singles, com exceção do LP 'Serguei', lançado pela RCA (hoje Sony) em 1991 e do CD 'O Bom Selvagem', lançado ao lado da banda Pandemonium em 2009. No começo da carreira, posou com Raul Seixas e Jerry Adriani para uma reportagem sobre "a nova Jovem Guarda" e fez aparições em programas de TV como o de Flavio Cavalcanti, que chegou a quebrar discos seus no ar e, em 1973, deu a ele o Prêmio Policarpo, de "pior artista do ano".

Após participar do Rock In Rio em 1991, Serguei foi redescoberto, gravou o tal disco pela RCA e conseguiu até participar de outras edições do festival. Em 1994 e 1995 candidatou-se a vereador por Saquarema, mas não se elegeu (foram 246 votos na primeira tentativa e apenas nove na segunda). Mais recentemente, o cantor também apresentou um programa no canal Multishow e desfilou como modelo na São Paulo Fashion Week.

Janis Joplin

Serguei costumava lembrar que conheceu Janis Joplin quando estava em Long Island, EUA, no Festival do Parque. "Meu amigo Laudir de Oliveira (percussionista do grupo Chicago) vinha pela estrada com uma cigana muito louca. Era ela. No dia seguinte, ela foi ver o show da minha banda. Ficamos juntos e fizemos muito sexo", recordou, em entrevista à revista 'Trip', em 2002, acrescentando que Janis lhe apresentou a Jimi Hendrix, Jim Morrison, Kris Kristofferson e outros nomes do rock. "Passamos a morar juntos em San Francisco. Éramos dois loucos bissexuais, completamente desequilibrados", contou numa entrevista em 1991.

Janis veio passar o Carnaval no Rio em 1970, pouco antes de morrer, e reencontrou Serguei em Copacabana. Na época, ele cantava com Alcione na boate Porão 71, em Copacabana, e a apresentou à Marrom, ainda iniciando carreira. "Nosso caso de amor se transformou em lenda e terminou no Rio de Janeiro", afirmou. Janis, lembrava Serguei, chegou a ser impedida de entrar na boate, mas acabou no palco cantando. "Depois, ficamos nos amando na praia. Quando soube da sua morte, chorei uma semana", completou.

Templo do Rock

Serguei vivia em Saquarema desde 1972 e sua casa havia se transformado no Templo do Rock. A casa foi construída pelo empresário e ambientalista Russell Wid Coffin em um terreno doado pela prefeitura em 2006 e chegou a receber mais de 20 mil visitantes.

O local era uma exposição permanente de peças de roupas, discos, prêmios, livros, cartazes, filmes em VHS e outros materiais sobre a vida do cantor. Lá, também recebia fãs, contava histórias e uma simples visita de um grupo grande poderia se transformar numa festa.

A diagramadora do DIA Marcela Musse foi lá com amigos e lembra de ter encontrado a casa fechada. "Mas Serguei nos viu e abriu a porta para nos receber. A casa tinha muitos discos, ele tinha quadros na parede com jornais bem velhos com matérias sobre ele. A casa era entulhada desse material. E tinha um quarto fechado só de luz negra, era o quarto psicodélico dele", conta Marcela, que fez um vídeo de Serguei dançando salsa na casa.

A dentista Isabela Cardozo, moradora de São Gonçalo, não teve a mesma sorte quando foi à casa em alguns momentos. "Fui lá mas ele estava fora", recorda. Até que, numa ocasião, foi com uma amiga a Itaúna, viu uma movimentação na casa e decidiu arriscar. E se deu bem. "Ele estava recebendo as pessoas. Estava bem cheio no dia e não tivemos muita oportunidade de conversar com ele, mas ele foi super atencioso. Deixava todo mundo a vontade. Depois tiramos uma foto com ele".

A Secretaria de Comunicação de Saquarema avisa que "com a morte do cantor, o Templo do Rock, espaço público que foi inaugurado em 29 de julho de 2006, ficará designado à Secretaria Municipal de Educação e Cultura para coordenar as ações de preservação, mantendo-o como patrimônio cultural do município, levando a história de Serguei e do Rock brasileiro para as futuras gerações".

Carioca

A relação de Serguei com o Rio, onde ele nasceu e havia morado por vários anos, continuava intensa. O cantor dava diversos shows por aqui e cantou até na festa de 45 anos da Feira Hippie de Ipanema, lugar do qual era considerado padrinho. "A feira é um lugar em que todo mundo pode ser diferente. Uma amiga minha acaba de fechar uma loja de roupas em São Paulo por causa da caretice. Todo mundo se veste igual. Cadê a revolução que a gente fez?", afirmou ao DIA em 2013, na época da comemoração. Nos anos 1960, o cantor também frequentava bastante Niterói, onde chegou a se hospedar para participar de programas de rádio.

"Lá se foi meu amigo"

Alcione, ex-colega de noite de Serguei, postou uma foto em que aparecia ao lado dele e contou a história de quando o roqueiro a apresentou a Janis: "Lá se foi meu amigo Serguei. Cantamos juntos na noite, no Porão 71 em Copacabana e tive a sorte de, junto com ele, conhecer Janis Joplin no Bar Rio Gerês. Era um cara simples, alegre, afetuoso e o primeiro roqueiro que conheci!", diz. O escritor Xico Sá despediu-se de Serguei dessa forma: "Hoje é dia de rock no céu, bebê. Ou o dia em que Serguei reencontrou Janis Joplin".

Leoni escreveu: "Hoje o mundo ficou menos divertido e libertário. E muito menos rock'n'roll. Serguei já está fazendo falta". A jornalista Ana Maria Bahiana postou: "Existem pessoas e existem celebridades e existem lendas. Serguei era um pouco de cada coisa dessas e, provavelmente, também um elfo do reino do rock 'n roll". Frejat também se pronunciou: "Hoje perdi um amigo querido. Serguei, além de roqueiro brasileiro histórico, era uma figura doce e amiga. Agradeço o privilégio de ter convivido com ele. Que você vá por um caminho de luz, querido amigo!".

Oswaldo Vecchione, líder da veterana banda de rock paulistana Made In Brazil e amigo próximo de Serguei, despediu-se do roqueiro lembrando de uma das últimas vezes em que o viu, perto de seu aniversário. "Era uma tarde linda de sol, fomos para uma praia e sentamos num quiosque. O pessoal começou a chegar, ele foi se animando com as fotos. Teve até uma garota que começou a cantar uma musica da Janis Joplin para ele. Ficou feliz e começou a sorrir", contou.

 

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