Alessandra Martins foi atropelada em outubro do ano passado - Reprodução / rede social
Alessandra Martins foi atropelada em outubro do ano passadoReprodução / rede social
Por Felipe Rebouças*
Rio - “Abri minha conta para conferir se tinha trinta reais e vi um deposito de vinte mil, com o nome de Jacob Barata Filho”. Assim Alessandra Martins, que teve parte da perna esquerda amputada, em outubro do ano passado, após ser atropelada por um ônibus da Viação Nossa Senhora das Graças, acordou na quinta-feira. Ela decidiu montar a vaquinha ‘Uma Prótese Para Alessandra’ na internet, a fim de custear o material de adaptação no valor de R$ 31 mil. Segundo ela, a empresa prometeu, à época do incidente, doar uma prótese. Mas voltou atrás. A arrecadação online rendeu, até o momento, R$ 16 mil.
O DIA, então, cobrou um posicionamento da concessionária, que, através do seu sócio, condenado a 12 anos de prisão por corrupção ativa, atualmente cumprindo prisão domiciliar e afastado da administração de todas as empresas de transporte urbano desde 2015, fez a transferência. “Ao tomar conhecimento do acidente pela reportagem, Jacob Barata Filho decidiu custear pessoalmente a prótese necessária para o tratamento da Alessandra Cardoso Martins, sem com isso reconhecer qualquer ligação ou responsabilidade com o episódio”, informou a assessoria do empresário.
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No dia 22 de setembro de 2018, por volta das 21h, a estudante do curso de Ciências Sociais da Uerj, de 23 anos, estava a caminho do aniversário de uma amiga, quando, ao atravessar a Rua Comandante Garcia Pires, na esquina com a Avenida Francisco Bicalho, no Centro do Rio, foi atingida por um coletivo branco, cuja placa é KVT9692. Ela foi levada rapidamente para o Hospital Miguel Couto, mas só descobriu que teria que amputar a perna duas semanas depois.
“A princípio, eles (médicos) fizeram um curativo com pele atingida pelo pneu (do ônibus), mas só resolveram amputar 15 dias depois, quando a região havia infeccionado”, relata Alessandra.
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A tia da estudante, Marta Margarida, conhecida como Dadá no Santa Marta, comprou um par de muletas para ela se locomover minimamente. “Eu queria estar na rua, fazendo campanha”, brinca a estudante que ficou impedida de participar dos atos pré-eleições.
Depois disso, Alessandra se mudou da casa onde morava com a mãe, dona de casa de 53 anos, na Comunidade Santa Marta, na Zona Sul da cidade, em direção a uma república de estudantes na Mangueira, na Zona Norte. “Tive que sair de lá por conta da acessibilidade. A rua da minha casa no Santa Marta é muito íngreme, não conseguiria subir apenas com a força dos braços”, conta.
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Nesses nove meses dividindo o mesmo teto com um amigo de sala, um mestrando do mesmo curso e um graduado em psicologia, os dias da jovem têm sido difíceis, mas poderiam ser piores. “Eles me ajudam bastante, sempre me fazem companhia quando podem”, conta a estudante de Ciências Sociais.
Rotina atribulada
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Num dia com agenda cheia, Alessandra sai da Mangueira, por volta das 7h, com destino à Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação, no Jardim Botânico, para realizar sessão de fisioterapia. Em seguida, a estudante se dirige à Faculdade Cândido Mendes, no Centro, onde participa de um estágio em iniciação científica na área de Ciências Sociais. Por fim, já à noite, segue em direção à Uerj, no Maracanã, para assistir as aulas do dia. Todo esse trajeto é feito por motoristas particulares que moram na Mangueira, local onde veículos de aplicativos de mobilidade não costumam entrar. Ela calcula gastar, em média, R$ 1 mil reais por mês com o transporte.
Agora, com o dinheiro da prótese em mãos, Alessandra quer cumprir uma lista de desejos. “Assim que comprar a prótese vou para a praia, porque foi o último lugar que estive antes do acidente. Depois vou em Madureira, comprar meus cabelos e, por último, ao centro da cidade. Quero andar por lá num sábado à tarde para reaprender o que é a cidade, como vai ser a partir de agora. Se alguém vai me julgar pela minha condição, se terei dificuldade para entrar e sair dos lugares. Quero explorar novamente os espaços”, finaliza Alessandra, que vai colocar o resto do dinheiro recebido em uma poupança.
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Até o Trabalho de Conclusão de Curso da jovem mudou após o ocorrido. Ela falaria a respeito da questão envolvendo a segurança pública no local onde morava, na Comunidade Santa Marta, mas alterou o tema para abordar a antropologia do deficiente. A estudante vai debater o assunto na ‘Galeria PCD’, um grupo no Facebook que discute a questão com demais deficientes físicos e integrantes da sociedade civil.
Inquérito Policial
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No relatório final de inquérito policial, realizado no dia 5 de junho de 2018 com o objetivo de apurar a prática do crime de lesão corporal culposa – quando não há intenção de matar –, o motorista Eliandro Venceslau Barbosa relata que “estava parado no semáforo da Avenida Francisco Bicalho e, ao sair com o veículo e entrar na Rua Comandante Garcia Pires, sentiu um impacto vindo a frear aproximadamente três metros à frente, e viu uma pessoa no chão”, consta no documento.
O motorista afirmou que, ao realizar a curva, não viu a vítima. Ele ainda disse aos policiais que conduzia o veículo na velocidade de 15 Km/h. Alessandra, por sua vez, relatou aos agentes que antes do atropelamento entrou num ônibus, na Praia de Botafogo, a caminho de um aniversário na Ilha do Governador, mas percebeu que havia ingressado na linha errada. Ela, então, saltou no Centro para pegar outro coletivo.
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Alessandra afirma que passavam pouquíssimos veículos e pedestres naquele momento e que dois rapazes olhavam para ela e a assustaram, a fazendo crer que podiam assaltá-la. Em razão disso, a jovem diz ter atravessado a rua num trecho sem faixa de pedestre, momento em que o veículo e seu corpo colidiram. A vítima afirma que o sinal estava vermelho para o motorista, o que é refutado pela parte acusada.
Em nota, a Viação Nossa Senhora das Graças informou que lamenta profundamente o acidente e que abriu sindicância interna para apurar todas as circunstâncias do caso. A empresa também diz que está colaborando com as investigações, tendo efetuado a entrega das imagens do coletivo, e que aguarda o resultado do inquérito policial.
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* Estagiário sob supervisão de Cadu Bruno