Rio, 27/06/2019 - BRT Trascarioca, Estacoes depredadas.  Pastor Jose Santos, Penha, zona Norte do Rio. Na foto passageiros entrando e saindo da estacao. Foto: Ricardo Cassiano/Agencia O Dia - Ricardo Cassiano
Rio, 27/06/2019 - BRT Trascarioca, Estacoes depredadas. Pastor Jose Santos, Penha, zona Norte do Rio. Na foto passageiros entrando e saindo da estacao. Foto: Ricardo Cassiano/Agencia O DiaRicardo Cassiano
Por GUSTAVO RIBEIRO

Rio - Contratos supostamente superfaturados, firmados pelo Consórcio BRT com prestadores de serviço ligados a empresários de ônibus, serão denunciados no relatório final da intervenção feita pela prefeitura, ao qual O DIA teve acesso. De acordo com o interventor, Luiz Alfredo Salomão, gastos excessivos com fornecedores geravam um déficit de R$ 15 milhões ao ano para o sistema. Significam investimentos que deixavam de ser aplicados em benefício dos passageiros. Só o contrato de monitoramento da frota e das estações, com a M2M Solutions, custava R$ 200 mil mensais, mesmo apresentando falhas. Há duas semanas, a fornecedora foi substituída por outra que cobra R$ 24 mil (oito vezes menos) por serviço melhor.

"Detectamos vários contratos suspeitos. Um, em particular, é emblemático da safadeza, uma ação entre amigos. Foi firmado em 2013 e, depois, foi feito um termo aditivo. Esse contrato obrigava o BRT a pagar R$ 200 mil para o monitoramento", afirmou Salomão. A M2M tem como sócio Alexandre Fleck, que, segundo o interventor, é ex-genro do empresário Jacob Barata Filho, o Rei dos Ônibus, condenado no âmbito da Lava Jato no Rio de Janeiro.

O monitoramento deveria permitir ao BRT acompanhar os ônibus em tempo real, a quantidade de veículos em operação, velocidades e estimativa de tempo para completar o percurso. Também calcularia a quilometragem rodada por cada ônibus, permitindo a distribuição das passagens entre as operadoras. O interventor acusa o ex-presidente do BRT Jorge Dias de direcionar o processo seletivo, já que a M2M apresentou o valor mais caro entre as três concorrentes, sem qualidades técnicas. Foram registrados índices de falhas de 12% a 17% na transmissão de dados desse sistema — o limite contratual era de 5%. A nova fornecedora, RFC Rastreamento de Frotas Ltda., obedece ao limite de 5%, segundo o interventor.

"O sistema era tão ruim que para saber quantos ônibus estavam rodando, era preciso abrir o mapa do sistema e contar no dedo", afirmou o diretor de Operações do BRT, André Ormond. O relatório ressalta que as falhas demonstram "grande fragilidade e possibilidade de manipulações, tanto para o cálculo das remunerações a serem pagas aos operadores quanto para a fiscalização do poder concedente". E recomenda que o contrato seja examinado pela Controladoria-Geral do Município e pelo Ministério Público.

Outro exemplo foi o contrato com a Sectrans, responsável pela manutenção das câmeras dos ônibus, que chegava a R$ 103 mil mensais. Segundo o diretor de Operações, ela também era ligada à família Barata. Tanto a Sectrans como a M2M, segundo Ormond, são cadastradas no endereço do Rio Ônibus, na Barra da Tijuca. Outra empresa foi selecionada por R$ 42 mil e, além da manutenção, fará o aluguel de novas câmeras. Seis escritórios de advocacia, ao custo total de R$ 165 mil por mês, foram reduzidos para dois por R$ 55 mil. Contratos com 13 consultorias, que custavam R$ 413 mil por mês, foram cancelados. Os valores não influenciavam no cálculo da tarifa, segundo Salomão.

O Rio Ônibus, Jacob Barata Filho, Jorge Dias e a M2M Solutions não haviam se pronunciado até o fechamento desta reportagem. A Sectrans ressaltou que "sempre prezou pela qualidade dos seus serviços, sempre cobrou valor compatível" e que o escopo do projeto era diferente do cotado pelo interventor. Sobre o endereço, afirmou que a empresa fica em prédio compartilhado com diversas outras firmas.

Em nota enviada na tarde desta quinta-feira, a M2M Solutions ressaltou que "refuta as acusações publicadas e afirma ter vencido de forma transparente e legítima a concorrência privada realizada pelo Consórcio Operacional BRT, com base em qualidade, técnica e preço". "A empresa afirma que os valores cobrados são compatíveis com o escopo dos serviços contratados em sistemas de transporte inteligente", acrescentou. Sobre a localização de suas dependências, esclareceu que "está localizada em um complexo de edifícios que hospeda diversas empresas e nunca compartilhou endereço".

Frota sofreu queda de 33% desde 2017
Enquanto empresas são beneficiadas por contratos caríssimos, faltam melhorias. O relatório apontou queda de 33% da frota nos dois últimos anos. Os usuários ainda criticam a falta de manutenção das estações e acham que nada mudou com a intervenção. “Desde quando inaugurou, os vidros estão quebrados.
Os ônibus demoram mais de 10 minutos para chegar, o ar-condicionado não funciona e pulam direto para dar calote”, reclamou a vendedora Raquel Perine, 36, na estação Pastor José Santos, na Penha. “Segurança e conforto não existem. Fica um empurra-empurra no ônibus, protejo meu filho com os braços. O tempo de espera está muito alto. Hoje (ontem) demorei 20 minutos pra pegar o ônibus”, contou a técnica de laboratório Janete Campos, 47.

Estações desnecessárias
O relatório da intervenção, que chega ao fim no dia 29, menciona outros problemas. Não foram encontrados estudos de demanda e planos operacionais da prefeitura para os corredores. Segundo a equipe, a falta dos estudos impacta na operação e na fiscalização do poder público.
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Outra conclusão é que 13 estações, por onde passam menos de 500 passageiros por dia, gerando custos desnecessários, não deveriam ter sido construídas. Foram apontadas recomendações, como licitação para o BRT — nunca ocorrida, segundo o interventor —; a reconstrução da pista do Transoeste; reabertura das 22 estações da Av. Cesário de Melo, para ônibus convencionais com roletas e validadores; inclusão de veículos elétricos; manter as ações contra calotes; a consolidação das mudanças contratuais para evitar serviços superfaturados; contratação de PMs de folga para oferecer segurança; e a criação de agência reguladora para fiscalizar o BRT.
A Secretaria de Transportes ressaltou que um grupo de trabalho avaliará o relatório para elaborar um parecer acerca das propostas, que será submetido ao prefeito.
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