Por mais de uma hora, Witzel — que palestrou sobre o tema "A importância das Instituições Militares Estaduais para a Preservação da Ordem Pública" — disse à dezenas de policiais que não entende por que os policiais civis do Rio não aceitam que os registros de ocorrências sejam feitos nas ruas por PMs.
Entretanto, a fala do governador não é baseada por lei e não pode ser mudada. De acordo com a Constituição Federal (CF), cabem às polícias Militar e Rodoviária Federal a ronda ostensiva e a preservação da ordem pública (artigo 144, parágrafos 2º e 5º da CF). Já à Polícia Civil e à Polícia Federal incumbem as funções de polícia judiciária e apuração de infrações penais (artigo 144, parágrafos 1º e 4º da CF). Não por outra razão a Lei 12.830/13, em seu artigo 2º, parágrafo 1º, estabelece que “ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei”.
A fala do governador caiu como uma bomba da Polícia Civil e tem desagradado dezenas de delegados. "O governador está fazendo uma subversão da ordem constitucional e isso é inconstitucional", disse um delegado em condição de anonimato.
Contrariando a própria fala do político, sua assessoria disse que “em momento algum, o governador Wilson Witzel afirmou que vai acabar com as delegacias”.
A assessoria só não explicou o motivo da não divulgação da agenda e se Witzel vai comentar o pedido de desculpas dos deputados e delegados.
No plenário da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), a deputada estadual Martha Rocha (PDT) disse que "causa espanto que o governador desconheça" o papel da Polícia Civil para o Rio. "Me causa espanto que o governador proponha o fim das delegacias de polícia. Me causa espanto que o governador desconheça as atribuições da Polícia Civil. A Polícia Civil é judiciária e, portanto, os elementos de apuração recolhidos pela Polícia Civil instrui um procedimento que é encaminhado ao Poder Judiciário e ao Ministério Público para que a ação penal possar ter inicio e possa ter o devido processo legal", destacou Rocha.
"Tão grave como o desconhecimento do governador ao falar para um público específico, num evento em São Paulo, foi a piada que o governador fez quando disse que não sabia porque a Civil insistia em fazer os ROs de roubos ou furtos de veículos. O governador tem que saber que a Polícia Civil tem a base da informação. O governador tem que saber que é de atribuição da Polícia Civil buscar em outras bases informações relativas aos registros de roubos. O governador tem que saber que sem a unidade da Civil não será possível as partes envolvidas buscar o seguro e o ressarcimento de sua perdas", disse Martha Rocha.
Por fim, Martha Rocha disse que "o governador deve desculpas aos policiais civis pela piada". "Ele deveria reverenciar a policia pela gestão, principalmente, pela gestão do secretário Marcus Vinicius Braga. Talvez fosse hora do governador procurar uma mãe que busca seu filho desaparecido, procurar uma mulher que foi agredida, alguém que tenha informações do homicídio de seu filho para saber que a delegacia é fundamental nos estado democrático de direito", declarou a parlamentar.
Segundo Wladimir Sérgio Reale, presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Estado do Rio a fala do governador foi incoerente e inconstitucional. "Há um interesse de certos setores da PM querendo exercer funções da polícia judiciária. Isso está acontecendo em todo o país. Só que eles (PMs) não são policiais judiciários. Exceto na Justiça Militar durante um Inquérito Policial Militar (IPM). O Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que a competência dessa questão (de polícia judiciária) é da Polícia Civil. Na medida que o STF decidiu, existe uma insistência de uns e outros para tentar acabar com as atribuições da Polícia Civil", afirmou Reale.
De acordo com Reale, o papel da Polícia Militar é de ostensividade. "A PM é a reserva do Exército em seu conjunto. Se cada um fizer a sua parte é melhor para a sociedade", completou.