Em casa, na Barra da Tijuca, o coronel Marcos Silva guarda lembranças da época em que serviu à corporação - Cléber Mendes
Em casa, na Barra da Tijuca, o coronel Marcos Silva guarda lembranças da época em que serviu à corporaçãoCléber Mendes
Por Waleska Borges
Famoso por resgatar pinguins perdidos na orla do Rio, o coronel Marcos Silva, de 68 anos, está fora do Corpo de Bombeiros desde 2007. Engana-se, porém, quem acha que o Coronel Pinguim, como chegou a ser apelidado, trocou o uniforme da corporação por um par de chinelos e pijama. Depois de 33 anos dedicados ao Corpo de Bombeiros, 24 deles ao Grupamento Marítimo, ele se mantém em plena atividade. É chamado, constantemente, por vizinhos e desconhecidos da Barra da Tijuca, onde mora com a mulher Alice, de 64, para resolver qualquer tipo de situação: pessoas passando mal, pedidos de ambulância e até para conter vazamentos.
Vestindo camisa vermelha com o símbolo da corporação e carregando no peito sua medalha de identificação, o eterno bombeiro mantém uma rotina de exercícios. Diariamente, sobe 22 andares de escada, pedala 14 quilômetros na praia, além de praticar caiaque e natação. "Se tiver alguém afogando na praia, sem que um salva-vidas esteja por perto, largo a minha bicicleta e corro para ajudar", contou o coronel que, mantém alguns hábitos, como o mesmo corte de cabelo de quando entrou na corporação, em 1974.
Publicidade
Ex-comandante do Grupamento Marítimo e ex-chefe do Estado-Maior do Corpo de Bombeiros, o coronel contabiliza 9.200 salvamentos nas praias durante sua carreira. Muitas vezes, por conta disso, encontra com pessoas eternamente agradecidas a ele. "Uma semana antes do Dia dos Pais, um homem de terno e gravata me parou na rua. Ele disse, emocionado, que estava vivo para passar o Dia dos Pais com seu filho, graças a um salvamento que eu fiz", lembrou.
Da época em que serviu aos Bombeiros, Marcos Silva contou ter participado do resgate de cerca de 5 mil pinguins, além de dezenas de outros animais como tartarugas, golfinhos, baleias, focas, jacarés e aranhas. O coronel diverte-se ao lembrar de alguns nomes dados aos pinguins, como do ex-jogador argentino Palermo. Certa vez, batizou uma cobra de Cicarelli (uma referência à modelo Daniella Cicarelli): "Chamei assim porque a boca dela era grande. Arrumei confusão", disse encabulado.
Publicidade
Quanto aos pinguins, ele disse que não era tão fácil resgatar e devolver os animais ao meio ambiente. As aves chegavam às praias do Rio cansadas, com espinha de bagre na goela e muito magras. "Nós dávamos soro caseiro para os pinguins que eram levados para o Zoológico de Niterói. De lá, conseguimos que fossem transportados de carona, em contêineres, nos aviões da Força Aérea Brasileira para o Rio Grande do Sul. Depois, seguiam de navios da Petrobras para seus países de origem".
Para Silva, o desaparecimento dos pinguins é um mistério: "Será que tenho parentesco com eles? De repente ficaram chateados com a minha saída e resolveram ser solidários e não voltaram mais", brincou o coronel. David Zee, professor de oceanografia da Uerj, explicou que não há estudos sobre o desaparecimento dos pinguins na orla do Rio, mas há uma tese para o fenômeno: "Esse sumiço dos pinguins pode ser explicado devido às condições climáticas e às correntes do oceano, que mudaram de direção. Antes, os pinguins, focas e golfinhos vinham arrastados por correntezas das Ilhas Malvinas, ou Falklands, do sul da Argentina".
Publicidade
Lembranças de um coronel
No armário do quarto, Marcos Silva ainda guarda as fardas e os uniformes preferidos. Nas paredes do apartamento sem luxos, muita história pra contar: um quadro com medalhas, pinturas do Corpo de Bombeiros, fotos dele em ação, além de dezenas de reproduções de reportagens em que apareceu. As memórias, porém, nem sempre são de finais felizes. Um dos fatos mais marcantes ocorreu na madrugada de 22 de fevereiro de 1998, quando parte do prédio Palace II desabou na Barra da Tijuca, deixando oito mortos e mais de 170 famílias desabrigadas. Marcos Silva e sua família também eram moradores do edifício.
Naquele dia trágico, o coronel viu um dos pilares de sustentação do Palace II completamente destruído. Foi quando começou uma escalada até o 17º andar para tirar os vizinhos. A ação heroica durou uma hora e meia. Só desceu quando um engenheiro da Defesa Civil pediu para falar com ele. O bombeiro conseguiu salvar centenas de vidas, mas ainda lamenta pelas mortes que ocorreram: "Havia quatro pessoas dormindo no 20º andar, outras quatro voltaram para pegar pertences". Outra memória triste é de quando tinha que dar a notícia sobre a morte por algum afogamento: "Muitas vezes, na hora da notícia, abraçava o parente e sentia o coração dele batendo forte pela dor. Nunca me acostumei com isso", lembrou com os olhos marejados.

Coronel diz ter saído do Corpo de Bombeiros pela porta dos fundos

Apesar de dizer que não guarda rancores, o coronel Marcos Silva afirma que saiu do Corpo dos Bombeiros pela porta dos fundos. Ele foi transferido para a reserva em 2007, durante a gestão do ex-governador Sérgio Cabral. De acordo com Marcos Silva, na época, ele foi substituído por Sérgio Côrtes, então secretário de Saúde e Defesa Civil, que englobava o Corpo de Bombeiros. No ano passado, o Ministério Público do Rio chegou a acusar Cabral e Sérgio Côrtes de ações fraudulentas no Corpo de Bombeiros.
Publicidade
"Sou muito ligado a Deus, que me deu algumas dádivas. Hoje, agradeço por não ter participado daquele governo. Sou correto. Não iam arrumar nada comigo", avaliou o coronel.
Marcos Silva contou que entrou para o Corpo de Bombeiros após tentativas frustadas de ingressar na Marinha e no Exército. Ele disse que ama a corporação, mas que atualmente está em outra fase da vida: "Hoje, estou muito voltado para minha tribo, minha casa. Antes, não tive muito tempo para isso. O bem que você fizer é para você mesmo". Sobre uma possível volta, o coronel faz algumas ressalvas: "Gosto da missão de proteger a população, mas desde que fosse para conviver com pessoas honestas".