Pessoas que moram na rodoviária do Rio.    - Estefan Radovicz
Pessoas que moram na rodoviária do Rio. Estefan Radovicz
Por Waleska Borges

Rio - O ritmo acelerado da Rodoviária do Rio, no Santo Cristo, por onde passam cerca de 50 mil pessoas, diariamente, parece não acompanhar a rotina de três senhoras no terminal. Apesar de estarem ali sentadas nos saguões, com bolsas, aparentemente à espera de alguma coisa, elas não pegam ônibus. E não retornam para casa. As idosas fizeram do local suas moradias.

Aos 73 anos, dona C., que desde 2015 já morou por mais de três anos na rodoviária, ficou em 2019 afastada do local. Há duas semanas, porém, ela retornou a viver no terminal. A idosa é conhecida de muitos que trabalham no local.

"Ela toma banho, come, compra roupas e até dá dinheiro para quem pede", contou uma funcionária lembrando que C. tem um filho morador de rua: "Ele aparece aqui para pedir dinheiro à mãe".

Pessoas que moram na rodoviária do Rio. - Estefan Radovicz

Pouca conversa

Dona C. não é de muitas palavras: "Tenho casa, sou funcionária pública aposentada. Recebo meu dinheiro. Moro aqui sim, mas não posso falar", argumentou.

A poucos metros de C., a mineira T., de 64 anos, é outra que fixou residência na rodoviária, desde 2016. Deitada sob os bancos, ela dorme sem qualquer constrangimento. Arredia numa primeira aproximação, porém, aos poucos, ela contou a sua versão da história.

"Tinha um irmão doente no Rio. Ele morreu e eu fui ficando aqui. Tenho uma boa pensão, mas compro um remédio para lúpus que custa R$ 5.800. Com o dinheiro que sobra, tomo banho e como", justifica a senhora.

Bem articulada, T. diz que passa os dias lendo sobre Filosofia, Antropologia e observando as pessoas. "Estou em guerra com a rodoviária. Não me querem aqui", ressaltou a senhora que fala sobre 'cavalo de Troia' e 'bode expiatório' para justificar uma suposta perseguição dos agentes do terminal.

A idosa T., que já teve três prisões por furto e agressão, também não fala sobre sua vida, mas garante ter conhecido os aeroportos de Nova Iorque, França e Itália. Ela já foi vista, por funcionários, furtando objetos de passageiros. Antes da rodoviária, vivia no Aeroporto Santos Dumont.

 

Família encontra dificuldades no cuidado
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De acordo com a porta-voz da Rodoviária do Rio, Beatriz Lima, foram feitas várias tentativas de ajudar a idosa C. a retornar para casa."Ela tem erisipela nas pernas, que ficam inchadas e cheias de feridas", contou.
A família da idosa diz ter dificuldades de mantê-la em casa. A ex-nora Paola Aurílio, de 47 anos, conta que a senhora é funcionária aposentada da Fundação Leão XIII. Ela tinha imóveis em Irajá, que vendeu. A idosa tem um filho morador de rua e outro vigilante de banco.
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"No final de 2018, nós a levamos para casa, cuidamos da perna dela, mas não posso prendê-la. Há duas semanas, saiu e não voltou", lamentou Paola.
De acordo com Paola, C. poderia pagar um aluguel, como chegou a fazer. "O filho dela, que é usuário de drogas, foi morar na casa e ela saiu".
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Acolhimento compulsório
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A moradia das senhoras na rodoviária foi identificada pelo Centro de Controle de Operações do terminal. Elas são monitoradas por câmeras de segurança. Há também uma terceira idosa, ainda não identificada, que chega à noite e sai pela manhã.
Conforme Eliane Belém, da 2ª Promotoria de Justiça de Proteção ao Idoso, as duas senhoras reconhecidas já foram atendidas pelo órgão. No caso de C., houve medida protetiva de acolhimento compulsório, mas ela fugiu dos abrigos. A mineira T. também não aceitou ser abrigada.
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"Vamos fazer nova busca e apreensão, mas é muito difícil manter um idoso lúcido e orientado em um abrigo público", comentou Eliane.
Segundo a defensora Carla Beatriz Maia, do Núcleo dos Direitos Humanos, constitucionalmente, os filhos têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. O Estatuto do Idoso prevê que se ele ou seus familiares não possuírem condições econômicas de prover o seu sustento, "impõe-se ao Poder Público esse provimento, no âmbito da assistência social".
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Plano de ação conjunta
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A Secretaria municipal de Assistência Social e Direitos Humanos informou que existe um planejamento de ação conjunta com a equipe de atendimento do programa Consultório na Rua. Será feita a abordagem noturna na rodoviária. O objetivo é tentar localizar os idosos.
Conforme a prefeitura, a equipe de abordagem do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) esteve no terminal, semana passada, para verificar a informação. As duas idosas identificadas se recusaram a receber atendimento.
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O município conta com programas voltados para os idosos, como Casas de Convivência, onde eles passam o dia fazendo atividades físicas e intelectuais.
"A Rodoviária do Rio é um local para embarque e desembarque de passageiros. Um local de passagem. Enquanto administradores privados do terminal não temos como prover abrigo a essas senhoras. Provemos toda a estrutura necessária para garantir a segurança e conforto para nossos usuários e turistas. Trata-se um problema social que deve ser solucionado pelas autoridades e pela família, acolhendo as mesmas, principalmente a Sra. C., que possui um problema crônico sério de erisipela nas pernas", afirma nota oficial da Rodoviária do Rio.
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