O altar da entidade Zé Pelintra, instalado na Lapa por simpatizantes da umbanda, foi queimado e pichado - Divulgação
O altar da entidade Zé Pelintra, instalado na Lapa por simpatizantes da umbanda, foi queimado e pichadoDivulgação
Por Thuany Dossares

A batalha dos cariocas contra a intolerância religiosa é diária. No Carnaval, a luta ganhou um peso extra: a Mangueira passou sua mensagem de paz ao reunir, na Sapucaí, líderes de diversas vertentes. E a Grande Rio entoou "Eu respeito seu amém e você respeita meu axé", reproduzindo ainda a mensagem em um de seus carros alegóricos. Pena que a intolerância não acabou na Quarta-Feira de Cinzas.

Olhares tortos, palavras ofensivas e até corridas em transportes por aplicativo negadas. Esses são alguns preconceitos sofridos por seguidores de religiões de matriz africana em seu dia a dia. De acordo com a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR), em 2019 foram contabilizados 201 casos de intolerância religiosa no estado do Rio de Janeiro, entre agressões e ameaças. Se comparado com o ano anterior, o aumento foi de mais de 100%, quando aconteceram 92 casos.

A intolerância cotidiana por pouco não impediu que o estudante G.R.P.B, de 17 anos, iniciasse o ano letivo numa escola em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Vestido de branco, com um boné na cabeça e usando suas guias, o rapaz chegou ao Ciep Professor Terli Fiovoranti da Rocha para concluir sua matrícula do 1º ano do Ensino Médio.

Na secretaria, ele explicou que foi iniciado no Candomblé e estava em período de preceito, e perguntou se poderia frequentar o colégio com aquela mesma vestimenta pelos próximos dois meses. A funcionária disse que o rapaz precisaria de um documento que comprovasse tudo isso. E, caso ele faltasse seu primeiro dia de aula, perderia a vaga. O diretor-adjunto, porém, interferiu no caso e o adolescente não perdeu a matrícula.

Violência no direito de ir e vir e em locais sagrados
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O umbandista Diogo Maia já sentiu na pele o ódio da intolerância. Na noite de 30 de janeiro, ele pediu uma viagem pelo aplicativo 99 para ir de seu terreiro, na Vila Kosmos, para casa, em Bento Ribeiro. Acompanhado de esposa e dois filhos, Diogo foi ofendido ao tentar pagar a corrida de R$ 20,40 com uma nota de R$ 50.
"O motorista começou a gritar que éramos 'diabo, capeta, demônio' para a rua toda ouvir. Depois, pegou a Bíblia no carro e esfregou na minha cara", contou.
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Em nota, a 99 informou que "repudia qualquer tipo de preconceito". Assim que soube do caso, a empresa bloqueou temporariamente o motorista e ofereceu suporte para o passageiro.
O terreiro do babalorixá Rinaldo Araújo d'Ayra, em Nova Iguaçu, tem sido alvo de fanatismo há um ano e meio por fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus. "Elas surtam, jogam sal grosso e água benta do terraço da casa delas, que faz divisa com os fundos do barracão. Estou instalado no local há 62 anos e nunca incomodei ninguém", reclama.
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Rinaldo conta que policiais já foram ao local por conta de denúncias. "Tive meu barracão adentrado por policiais também intolerantes, com fuzis e me tratando como marginal", contou.
Em 27 de janeiro, o altar de Zé Pelintra, localizado na Lapa, foi queimado e pichado. Nas redes sociais, uma página de Umbanda se mostrou indignada com o crime de ódio. "Quando isso vai acabar? Quando seremos respeitados? O fascismo religioso, intolerante, cresce junto ao nazismo no nosso país", dizia a postagem. 
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Nem sempre os roubos são motivados por ódio
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Entre os dias 9 e 10 de fevereiro, o terreiro da mãe de santo Maria Fernanda d'Oya, em Sepetiba, foi invadido duas vezes em menos de 24 horas. Nas ações, uma imagem foi quebrada e várias outras foram furtadas.
As invasões foram registradas como furto na 43ª DP (Guaratiba). Mas a mãe de santo acredita que também sofreu crime de intolerância religiosa. "O meu sentimento é de indignação pela tamanha falta de respeito e amor ao sagrado, e como cidadã também me sinto violada, na questão da segurança".
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Juridicamente, nem sempre esse tipo de ação é entendida como crime de ódio. A Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), criada em dezembro de 2018, registrou nos seus primeiros 12 meses mais de 70 casos de intolerância. Mas para o delegado Gilbert Stivanello, os furtos e roubos em templos às vezes não são vistos como um ataque à fé, ainda que sejam desrespeitosos. A motivação seria a revenda de imagens.
"Se percebo que não tem ameaça, pichação, imagens quebradas, não tenho como dizer que é um crime de ódio, que é onde a delegacia atua".
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