Luana Génot, diretora executiva do Instituto Identidades do Brasil (ID_BR) - Jorge Bispo/Divulgação
Luana Génot, diretora executiva do Instituto Identidades do Brasil (ID_BR)Jorge Bispo/Divulgação
Por Gabriel Sobreira
Rio - Em tempo de #BlackLivesMatter ('Vidas Negras Importam'), quantos pretos em cargos executivos você conhece, seja em grandes empresas ou como empreendedores? O DIA conversou com quatro executivos negros que falam um pouco sobre liderança negra no mercado de trabalho, empreendedorismo e desafios.
Uma pesquisa divulgada ano passado pelo Instituto Ethos afirma que entre as 500 maiores empresas do país, os negros são de 57% a 58% dos aprendizes e trainees. Na gerência, eles chegam a 6,3%. Já no extrato mais elevado do organograma, dentro da diretoria executiva, o número é ainda mais escasso: somente 4,7% são pretos.
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“Especialmente os cargos de liderança são cargos que apesar de serem ditos verbalmente que são pautados pela meritocracia, na verdade é pelo quem indica, e quem indica você só vai fazer se tiver estudado com essa pessoa, conhecer essa pessoa e geralmente esses círculos brancos se autoindicam. Então, a gente tem muitas lideranças brancas que indicam outras lideranças brancas que foram com quem eles estudaram, com quem já trabalharam e desenvolveram laços de confiança”, explica Luana Génot, diretora executiva do Instituto Identidades do Brasil (ID_BR), que possui foco na promoção da igualdade racial no mundo corporativo.
Luana frisa que falta intencionalidade em contratar pessoas negras, apesar do número delas ter aumentado em termos de qualificação profissional exigida. Ainda assim, quando se trata de empreendedorismo, ela diz que pode ser uma opção.
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“Sempre vou sugerir um olhar menos romantizado do empreendedorismo e com a separação do empreendedorismo de necessidade. O primeiro é onde maioria dos negros está, onde por não conseguir entrar no mercado de trabalho se vê forçado a empreender para sobreviver. O de oportunidade é das pessoas que querem empreender e entendem que não faz sentido para elas se encaixarem em uma estrutura pré-pronta porque têm novas ideias”, conta a carioca de 31 anos. "A representatividade entre os investimentos também faz parte para que quem queira empreender por oportunidade possa se ver contemplado e estimulado a fazê-lo com estrutura e não com migalha", acrescenta.
Sergio All, CEO e fundador da Conta Black
Sergio All, CEO e fundador da Conta Black
Sergio All, CEO e fundador da Conta BlackMonica Silva/Divulgação
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Natural de Embu, Sergio All tem 45 anos e mora em São Paulo. Ele é filho de um metalúrgico e uma empregada domestica. Começou a vida profissional, aos 14 anos, com a perspectiva de mudar a realidade da mãe. Depois de trabalhar oito anos no Mappin, ele empreendeu. Abriu uma agência que prestava serviço para outras maiores. Foi quando teve contato com o mercado financeiro e se encantou.
“Fui me capacitar para entender o que estava por trás daquele universo e me deparei com uma realidade que era excluir alguns ‘tipos’ de pessoas e lhes encaminhar para um looping de endividamento”, afirma Sergio.
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Ele conta que começou a perceber que essa "queixa" de negativa de crédito sem justificativa não era exclusivamente dele. “Esse problema afetava outros empreendedores. Foi aí que resolvi tirar o negócio do papel e comecei com os primeiros desenhos da Conta Black. Hoje, o nosso principal objetivo é democratizar o acesso a ferramentas financeiras, tendo como pano de fundo a educação financeira. Pois entendemos que não faz sentido dar crédito e continuar promovendo essa lógica de mercado que destina os mais pobres ao endividamento”, promove.
De acordo com o CEO, a Conta Black está com uma equipe enxuta, onde 96% das pessoas são negras. “Para alem disso, temos uma preocupação com a nossa cadeia de fornecedores, onde também priorizamos negócios liderados por negros”, defende o empresário. Fazendo um balanço da trajetória dele, Sergio é bem realista. "Me sinto muito feliz por contrariar as estatísticas. Num país que a cada 23 minutos um jovem negro é morto, eu ter chegado aos 45 é algo que merece muita comemoração. Me sinto muito feliz e realizado por tudo que construí e pelos sonhos que desejo realizar a curto, médio e longo prazo", frisa.
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Ianda Lopes, diretora jurídica da GE Renewable Energy na America Latina
Ianda Lopes, diretora jurídica da GE Renewable Energy na America Latina
Ianda Lopes, diretora jurídica da GE Renewable Energy na America LatinaDivulgação
Carioca de Vila Isabel, Ianda Lopes passou a infância e adolescência em Brasília e mora em São Paulo. Formada em Direito na USP, ela entrou na GE há 13 anos. “Inicialmente, vim para a empresa para a posição de gerente jurídica no antigo negócio de lâmpadas. De lá para cá, já passei por diferentes negócios da companhia. Hoje, sou diretora jurídica para a GE Renewable Energy na America Latina”, conta ela, aos 45 anos, sendo quatro deles no cargo.
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No começo do ano, Ianda assumiu a liderança do Women’s Network da GE, que é o grupo de apoio e estímulo da carreira para as mulheres da companhia. Ela conta que nunca teve a sensação de ter sido preterida por causa da cor da pele.
“Se eu fizer um exercício de memória, certamente acharei episódios de racismo na minha trajetória. Mas a verdade é que eu nunca prestei muita atenção nisso. Acho que até como mecanismo de defesa, eu simplesmente não enxergava as diferenças e preconceitos. Sempre agi sem pensar nisso e, de verdade, acho que isso ajudou a manter minha autoestima”, afirma.
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Ianda participa ainda de um projeto voltado para alunas negras da faculdade de Direito da Universidade Zumbi dos Palmares. A ideia é ter as jovens mentoradas por profissionais experientes na carreira, que tragam para elas outras perspectivas e possibilitem expandir os seus horizontes.
"Essa mentoria também serve como um apoio no início da carreira, o que sempre ajuda. Para todos os jovens talentos, eu diria: estude, estude muito. Se prepare. Busque conhecimento incessantemente. Esse é um ponto de partida importante e o acesso à informação hoje é muito mais fácil do que já foi. Vá atrás, busque oportunidade de aprender e se aperfeiçoar. Além disso, eu diria que duas outras coisas são muito importantes: trabalhar sua autoestima e se cercar de pessoas que te incentivem e te apoiem. Conhecendo seu valor e tendo ao seu lado pessoas que também enxergam seu valor, os percalços que virão certamente serão superados com mais facilidade”, sugere Ianda.
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Carlos Eduardo Santos, gerente de projetos de tecnologia do Citi
Carlos Eduardo Santos, gerente de projetos de tecnologia do Citi
Carlos Eduardo Santos, gerente de projetos de tecnologia do CitiPaulo Vitale/Divulgação
Mineiro da cidade de Corinto, Carlos Eduardo Santos, de 40 anos, e foi o primeiro da família a completar o ensino superior. Formado em Ciência da Computação, começou a trabalhar no banco Citi, em 2009, como analista programador de Java. Hoje, é gerente de projetos de tecnologia e lidera 15 pessoas de diversos países, sendo responsável pelo projeto de inovação do banco para América Latina. No ano passado, a empresa criou um grupo chamado ‘Blacks at Citi’, que atua no recrutamento, desenvolvimento e retenção de talentos negros dentro do banco, como com o programa de mentoria.
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"Os Blacks at Citi é uma ação afirmativa fundamental para trazer luz e gerar oportunidades para preenchimento das lacunas que temos em termos de representatividade negra na organização, dando voz a esta minoria de maneira a mobilizar e buscar alternativas para a transformação", afirma Santos.
O cientista da computação diz que não consegue mensurar o que poderia ter sido diferente se o grupo, Blacks at Citi, tivesse começado quando ele entrou no banco. Mas tem um palpite: "Eu teria uma consciência melhor e me engajado antes no sentido de ter atitudes proativas e efetivas para que eu não seja uma exceção", explica ele. Quando questionado sobre qual sonho ele tem, Carlos Eduardo diz que deseja que possamos evoluir enquanto ser humano e definitivamente conseguirmos olhar um para outro de maneira igual. "Trata-se de um processo longo e progressivo, que as gerações que estão por vir possam viver em harmonia e ter as devidas oportunidades por serem humanos", pontua.