Por Alexandre Medeiros
A ideia era simples. Comprar um caderno pequeno e uma caneta com o intuito de anotar temas para esta coluna que hoje se inicia. Há uma loja de departamentos a dois quarteirões de casa, nem pensei duas vezes. Só que um humilde caderno espiral e uma caneta saíam pela bagatela de R$ 25. Aí lembrei que ali ao lado havia uma pequena papelaria. Quem sabe lá não fosse mais barato?

Papelaria Dois Irmãos. Não tem letreiro e mal se vê. É um cantinho escondido em uma galeria de rua. O povo aqui do bairro chama assim porque são dois irmãos que tocam o negócio. São altos, coisa de metro e noventa pra lá, um deles é magro, o outro queimou menos gorduras ao longo da vida. Era esse que estava no pequeno balcão.
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- Bom dia. O senhor tem caderno espiral, desses pequenos?

Ele não disse palavra. Virou as costas e foi até as prateleiras rigorosamente desorganizadas. Tirou sacos de embrulho de Natal, réguas, calendários, agendas. Ficou ali uma pequena eternidade, até me mostrar uma caderneta pequena, o olhar triste a esperar minha resposta.
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- Essa é uma caderneta, eu queria aquele caderno colegial mesmo, sabe qual é?

O olhar dele voltou ao passado, foi a impressão que passou. Eu ali no balcão, a um passo da rua, e ele com o corpanzil mal ajeitado num vagar entre as prateleiras, buscando um caderno que parecia não existir. Levantou pilhas de papel almaço, caixas com grampos, um atlas dos tempos em que existia a Iugoslávia. Tudo parecia muito antigo, mercadoria nova não devia chegar há tempos.
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Do fundo da prateleira - da alma? - brotou um caderno como o que o freguês pedira. Vindo diretamente da década de 1970, confirmando que mercadoria nova ali era raridade. A primeira e a última folha amareladas pelo passar dos anos. Na capa, uma foto da Amazônia, ainda sem a Transamazônica e não tão devastada pelas queimadas de hoje. Na contracapa, a letra do Hino Nacional. Lembrei de minhas aulas de Moral e Cívica no Colégio Zaccaria. Aquele caderno devia ser sobra de material escolar dos dois irmãos. Mas servia. Um item de colecionador.

- Fica em R$ 6,95 - disse ele, a voz gutural.
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Animado por aquela iniciativa de diálogo, perguntei como estavam as vendas na pandemia, insinuei que deviam estar difíceis, mas que mesmo diante de tanta dificuldade a pequena papelaria ainda resistia. Enquanto eu perguntava, ele demorava outra eternidade para embrulhar o caderno e a caneta em um velho pedaço de papel rosa. Quando terminou e me deu o troco, quando eu já ia me despedir sem resposta, ele balbuciou por trás da máscara:

- Já tivemos dias melhores.
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Assenti e ganhei a rua. Ele voltou à sua solidão naquele cubículo em que mal cabia uma pessoa. Passei por duas lojas com placas de "passo o ponto", e por gente conversando lado a lado, sem máscaras. Aquela frase do grandão bem poderia ser um epitáfio desses tempos tão duros.