Funcionários no Hospital do Maracanã continuam indo trabalhar, mesmo com salários atrasados
Funcionários no Hospital do Maracanã continuam indo trabalhar, mesmo com salários atrasadosLuciano Belford
Por Bernardo Costa
Rio - Mais de 50 dias sem receber um paciente sequer, o Hospital de Campanha do Maracanã gera um custo para os cofres do estado de R$ 10,5 milhões por mês. O valor foi confirmado pela Secretaria de Estado de Saúde (SES), que atribuiu os gastos a serviços de manutenção da estrutura e pessoal. Porém, tanto os empresários que forneceram equipamentos para a montagem do hospital, e que arcam também com a conservação, quanto parte dos profissionais que ali atuam afirmam que estão sem receber. Mesmo sem prestar atendimento - o último paciente foi transferido em 18 de julho - uma determinação da Justiça, do dia 28 de maio, obriga o funcionamento do hospital devido a 'imprevisibilidade das consequências da pandemia'. 
"Sempre nos dizem que podem chegar pacientes a qualquer momento, mas nunca chega. Enquanto isso, a gente vem trabalhar mas não recebe nada. Somos 24 profissionais ao todo e os salários de julho e de agosto ainda não foram pagos", diz um vigilante do hospital, que pediu para não ser identificado.
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Segundo ele, a empresa Art Serviços Terceirizados, que contratou os vigilantes e os agentes de limpeza - 48 no total - alega que a Fundação Saúde, vinculada ao governo do estado, não fez o repasse para os pagamentos. O DIA não conseguiu contato com a empresa.
"Todos nós (vigilantes e pessoal de limpeza) estamos sem receber", diz o vigilante. 
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Já os fornecedores, um grupo formado por 14 empresas, afirmam que não recebem pela locação dos equipamentos e serviços de manutenção desde maio, e que acumulam dívidas junto a Iabas, a OS contratada no início da pandemia para administrar os hospitais de campanha, e a Fundação Saúde, que assumiu os contratos a partir da intervenção do estado, publicada em Diário Oficial no dia 3 de junho.
Segundo os fornecedores, a dívida total com as empresas é de cerca de R$ 50 milhões.
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"Levamos o calote do calote. Primeiro da Iabas, que deixou de nos pagar em maio, e depois da Fundação Saúde, que interveio nos contratos mas também não nos paga. A fundação ficou de nos pagar pela manutenção, mas nem isso pagaram, que dirá pela locação dos equipamentos. Esses hospitais só ficaram prontos por causa da gente. É como se entrassem na sua casa, deitassem na sua cama, e não pagassem nada. É revoltante", diz Carlos Eduardo Berenguer, sócio da empresa Berenguer Locações e Serviços, que forneceu equipamentos para a rede elétrica dos hospitais de campanha do Rio.
Sócio da MVD Eventos, Luiz Carlos Vieira afirma que a Fundação Saúde se comprometeu com os empresários a realizar os pagamentos pelos serviços prestados a partir de 18 de julho, o que, segundo ele, até agora não aconteceu. A MVD forneceu tendas e pisos para os hospitais.
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"Emitimos a nota referente ao período 18 de julho a 18 de agosto, mas a fundação alega que o novo governador (Cláudio Castro, interino) suspendeu todos os pagamentos. E temos que ir lá no Maracanã fazer a manutenção mesmo assim, senão podem alegar quebra de contrato e aí é que não veremos mesmo o dinheiro", explica Vieira.
CONTRATOS SEM VÍNCULO
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Mesmo sem pacientes, o Hospital de Campanha do Maracanã opera com 15 profissionais de saúde por turno. Eles firmaram contrato com a Fundação Saúde, no fim de julho, no modelo RPA, sem vínculo empregatício. Técnicos de enfermagem ouvidos pelo DIA dizem que os pagamentos estão acontecendo, porém parte deles, que já atuavam na unidade desde o início de maio, alegam que não receberam por 15 dias de trabalho em julho, adicional noturno e de insalubridade e pela rescisão do contrato com a Iabas.

"E quando ainda pagavam era uma confusão: uns recebiam a mais e outros a menos do valor contratual. Tinha gente que recebia passagem, outros não... Enfim, era uma bagunça, não tinha lógica", disse uma técnica de enfermagem, que não quis se identificar. 
Segundo o técnico de enfermagem João Carlos Leite, que deixou de trabalhar no Hospital do Maracanã em meados de julho, cerca de 500 profissionais cobram atrasados da Iabas. O grupo prepara uma manifestação na porta do hospital, na próxima segunda-feira.  
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Furtos aumentam prejuízo
Hospital de Campanha de Duque de Caxias, área interna. Fotos de terça-feira, dia 8
Hospital de Campanha de Duque de Caxias, área interna. Fotos de terça-feira, dia 8Foto do leitor
Proprietário da empresa Memo Serviço Móvel Especializado em Saúde, Gláucio Oliveira Dias forneceu tomógrafos para os hospitais de campanha do Rio. Ele conta que mantém duas salas de tomografia no Hospital de Campanha do Maracanã. E que, na última semana, retirou tomógrafos das unidades de Caxias e Nova Iguaçu com medo de furto.
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"Tive um computador e placas de chumbo dos equipamentos de tomografia furtados nos hospitais de Caxias e São Gonçalo. Isso porque os vigilantes deixaram o serviço diante da falta de pagamento", diz Gláucio, que estima uma dívida pelo aluguel de equipamentos e manutenção da ordem de R$ 6 milhões:
"Se eu não receber esse dinheiro, terei que fechar a empresa. Já tive que demitir 120 funcionários. O Iabas e o governo do estado estão destruindo nossas empresas".
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Os hospitais de Caxias e Nova Iguaçu, que ficaram prontos mas não receberam nenhum paciente, estão sendo desmontados. Fotos da área interna desta terça-feira mostram amplos espaços vazios, com equipamentos empilhados e sujeira.
"Eles rasgaram dinheiro do povo. Essa é que a verdade", desabafa Gláucio.
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SES e Iabas argumentam
Área interna do Hospital de Campanha de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Unidade ficou pronta mas foi desativada sem recebe um paciente sequer
Área interna do Hospital de Campanha de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Unidade ficou pronta mas foi desativada sem recebe um paciente sequerFoto do leitor
Secretaria de Estado de Saúde (SES) afirma que os R$ 10,5 milhões mensais para manter o Hospital de Campanha do Maracanã em funcionamento são divididos da seguinte forma: R$ 2,75 milhões para o pagamento de equipes assistenciais e R$ 7,7 milhões para serviços de manutenção - embora os fornecedores, que também são responsáveis pela manutenção, afirmam não estarem recebendo.
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Sobre os salários atrasados de vigilantes e agentes de limpeza, a SES diz que a relação trabalhista deles é com a Iabas, "embora esteja aberta a tentar buscar solução jurídica para esses casos", afirma a nota da secretaria.
Em relação aos profissionais que trabalharam nos hospitais do Maracanã e de São Gonçalo contratados por CLT, a pasta afirma que repassou ao Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-1) a verba para o pagamento dos salários diretamente aos trabalhadores, sem passar pela conta do Iabas. "Os pagamentos estão sendo realizados via Centro Judiciário de Métodos Consensuais de Soluções de Disputas (Cejusc), do TRT da 1ª Região", diz a nota da SES.
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Já no caso dos fornecedores, a pasta afirma que o contrato que firmou com a Iabas, responsável pela subcontratação das empresas, está judicializado e apenas a Justiça poderá determinar se a organização social ainda tem algo a receber pelos serviços prestados ou se, por outro lado, deverá devolver dinheiro ao governo do estado. Segundo a SES, foram repassados ao Iabas R$ 256 milhões.
A secretaria disse, ainda, que somente o pagamento dos serviços que continuaram sendo prestados após a Fundação Saúde assumir a administração dos hospitais do Maracanã e de São Gonçalo, em 18 de julho, são de responsabilidade da Fundação Saúde. Mas não respondeu à afirmação dos empresários de não terem sido pagos pelo período entre 18 de julho e 18 de agosto.
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Também procurada pela reportagem, a Iabas afirma que pagou os serviços de fornecedores e funcionários referentes ao mês de maio. E que, com a intervenção decretada pelo governo do estado no dia 2 de junho, todos os pagamentos passaram a ser de responsabilidade da Fundação Saúde.