Ana Paula deixou a indústria da moda quando entendeu que as pessoas usam as coisas, e não o contrário - Karine Britto
Ana Paula deixou a indústria da moda quando entendeu que as pessoas usam as coisas, e não o contrárioKarine Britto
Por O Dia

Mergulhar em perguntas complexas virou rotina para boa parte dos quarentenados, explorando os cantos da própria existência, de seus anseios e autorreflexões. Com enxugamento de gastos familiares, repensar a cultura do consumo povoou muitas cabeças. Entretanto, questionamentos como "por que eu compro o que eu compro?" são muito anteriores à quarentena para quem respira aliviado por viver com menos: os minimalistas.

Ana Paula Passarelli saiu da indústria da moda quando se conectou com o minimalismo e entendeu que nós usamos as coisas, e não o contrário. "Esse é o maior aprendizado que estamos tirando agora que o minimalismo está crescendo, de que não são as coisas que eu tenho que dizem para o mundo quem eu sou", destaca. Em seu canal no YouTube, Passa em Casa, ela produziu a série 'Casa Minimalista', em janeiro de 2019, que foi ainda mais requisitada com a pandemia.

"O minimalismo não precisa ser um palavrão", pontua. Apesar de parecer um termo que se assemelha ao 'simples chique', ela reforça que o pensamento de viver apenas com o essencial deve ser o mais democrático possível, e que não há necessidade de pensar em uma palavra complexa como 'minimalismo' para explicar algo tão simples. 

A mudança democrática também encantou Jéssica Fioravante, produtora de conteúdo sobre minimalismo. Para ela, podemos encontrar o que é essencial para nós em lojas populares que também prezam pela qualidade dos produtos, um bom aprendizado para quem já tem pouco. Jéssica começou sua jornada em 2016, com a adoção do 'armário cápsula' - escolha de um número específico de peças de roupa para usar por uma estação ou tempo pré-determinado. Depois da paixão à primeira vista, começou a viver apenas com peças que amava. A partir do começo da quarentena, ela percebeu o aumento na demanda por seus conteúdos.

Desde que embarcou no mantra de viver com o que te faz feliz, ela experimentou o que não sentia há muito tempo: paz. "Eu sou uma pessoa extremamente ansiosa e a casa entulhada me deixava muito ansiosa e estressada. Hoje, me sinto muito mais tranquila porque tudo tem um propósito de estar aqui, e eu tento não transferir a ansiedade para as compras", afirma Jéssica.

Para a psicanalista Helena Watson, o aumento do tempo dentro de casa levou muitas pessoas a refletirem sobre a quantidade de objetos desnecessários que têm e que, para adquirir mais, é preciso aumentar o tempo de trabalho, um motor de ansiedade. Com essa reflexão, começa o desapego - e também a valorização do próprio dinheiro.

"Desejamos objetos como se eles pudessem tapar esse buraco da angústia que é inerente ao ser humano. À medida em que frustramos esse desejo, também adquirimos mais consciência e capacidade para lidar com o mundo sem sermos devorados por ele", ressalta. A psicanalista aponta, entretanto, que é um movimento a longo prazo, e vai perdurar mesmo depois da quarentena: "Desacelerar pode também revelar um novo jeito de viver".

Conversa entre moda e consciência minimalista
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Para os amantes das tendências da moda, abraçar o minimalismo é sinônimo de autoconhecimento. Jéssica Fioravante pecava pelo excesso na compra de roupas, mas quando finalmente encontrou o seu estilo, nunca mais errou. "Se você se conhece, sabe que vai fazer uma compra certeira com essa ou aquela peça, que você ama e vai ficar muito tempo no armário. Se não entende seu estilo, vai atirar para todos os lados, e possivelmente errar", aponta. 
O impacto do minimalismo na moda, entretanto, tem raízes mais profundas. Por muitos anos imersa na indústria da moda, Passa se preocupa com a crescente e desnecessária dependência de consumo, e cabe à sociedade apontar qual rumo vai tomar. "O olhar para que a gente tenha responsabilidade do estamos consumindo e do que estamos descartando é o que teremos de consciência para ver se a moda vai ou não aderir a essa ressignificação", destaca. Para Passa, nós, consumidores, que devemos frisar que o chique é ter menos, com mais significado.
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As lentas mudanças no mercado de consumo têm considerável repercussão, com o crescimento de marcas sustentáveis e de slow fashion, movimento de moda consciente, e aumento da durabilidade e da qualidade dos produtos.  

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