Vista para comunidades de Santa Teresa - Márcio Mercante/ Arquivo / Agência O Dia
Vista para comunidades de Santa TeresaMárcio Mercante/ Arquivo / Agência O Dia
Por Gabriel Sobreira

Rio - O poder público tem favorecido a expansão da milícia no Rio de Janeiro com reduzida quantidade de operações policiais e omissão de fiscalização no setor imobiliário nos territórios por ela controlados. Essa é a conclusão que chegou o relatório 'A expansão das milícias no Rio de Janeiro: uso da força estatal, mercado imobiliário e grupos armados', que será lançado nesta sexta-feira, e que defende a tese de que as milícias contam com uma dupla vantagem (política e econômica) em relação às facções do tráfico.

"Há consistentes indícios de favorecimento das milícias no que se refere às operações policiais, instrumento maior das políticas de segurança pública, de competência do Governo do Estado. Em relação às políticas de licenciamento, legalização e construção imobiliárias, de competência predominante da administração municipal, verifica-se uma coerção violenta sobre os processos de fiscalização, o que torna viável o parcelamento ou a construção ao arrepio da lei, contando-se depois com a possibilidade de legalização, viabilizada por legislações 'facilitadoras' em nível municipal, como as leis de mais valia", aponta o estudo.

Procurada, a Prefeitura do Rio, por meio da Secretaria Municipal de Urbanismo, diz que atua com rigor a fim de coibir irregularidades. E ressalta que nas regiões conflagradas é necessário o apoio da PM e que há uma decisão do Supremo Tribunal Federal que suspendeu operações policiais em comunidades do Rio durante a pandemia. Já a Polícia Militar diz que o comando da Corporação não comenta pesquisas elaboradas com base em dados não oficiais. "A Polícia Militar segue atuando no combate ao crime organizado, realizando operações com base em informações da área de inteligência da Corporação ou participando de ações em apoio às demais forças de segurança", afirma em nota. 

O levantamento é do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (GENI/UFF) e do Observatório das Metrópoles (IPPUR/UFRJ). O relatório toma como referência o período de 2007 a 2020, e é baseado em três fontes: o mapa dos grupos armados, a base de operações policiais do GENI/UFF e a base da Secretaria Municipal de Urbanismo (SMU) no que no que se refere aos licenciamentos e legalizações de edificações novas.

"A gente já tinha como hipótese e observado antes, que existia um número muito reduzido de operações na Zona Oeste, ou seja, sabíamos que área com predominância de milícia havia menos operações. Realizamos o cruzamento de informações e percebemos que nos bairros onde o grupo armado é milícia ocorre menos operações onde os grupos armados com Comando Vermelho ou em disputa", aponta a pesquisadora Carolina Grilo, uma das coordenadoras do projeto.

DIFERENÇA ENTRE MILÍCIA E TRÁFICO

Carolina afirma que agentes públicos que são membros de milícia estão em melhores condições de reivindicar vantagens para os grupos que participam. "A milícia está em posição de vantagem para negociar porque têm policiais participando dos seus quadros. Sabemos que milícia também trafica drogas. Quando trabalhamos na diferença entre a milícia e o tráfico de drogas, os mercados explorados por eles são todos os mesmos. Gatonet, transporte, gás, drogas. O distingue é a participação de agentes públicos dentro da milícia, o que confere vantagem", reforça.

De acordo com a pesquisadora, não foram grandes surpresas porque as hipóteses foram confirmadas. "Sabemos com base de pesquisas qualitativas, que o mercado imobiliário é uma das fontes de renda das milícias, elas lideraram o processo de expansão urbana na Zona Oeste e na Baixada. São grupos de milicianos que fazem grilagem de terrenos inclusive da União, eles têm suas próprias construções e lucram em cima de taxas, aluguel, compra e venda. A gente sabe que a legislação imobiliária é branda e facilita o mercado imobiliário informal. É mais fácil construir e legalizar depois do que conseguir licença e construir", afirma Carolina.

Voto pode ser decisivo

Segundo ela, o momento é mais do que propício para tratar sobre esse tema por conta da proximidade das eleições municipais. "Cabe à Prefeitura fiscalizar o mercado imobiliário, a grilagem de terra. A gente observa que áreas onde têm predomínio de milícia são regiões administrativas com maior atividade imobiliária", conta ela, que pondera. "A região administrativa da Barra da Tijuca tem atividade imobiliária muito intensa, só que não podemos atribuir à milícia, mas têm outros bairros, como Campo Grande que é possível sim investigar a participação das milícias", afirma.

"Isso não quer dizer que a Prefeitura do Rio esteja atuando em conjunto com a milícia. É precipitado dizer. Têm vários fatores que contribuem como a dificuldade dos agentes públicos de exercer trabalhos de fiscalização, aplicar multas, embargar obras. Nossa intenção é chamar atenção para a atividade imobiliária como importante elemento que respalda as atividades da milícia. Eles precisam de recursos para se compor militarmente e é importante que os candidatos ofereçam soluções e pautem como pretendem lidar com elas", defende a estudiosa.

 

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