"Queremos distensionar a relação com a sociedade civil para construir discursos de paz. Precisamos construir pontes, não muros", explica o Humbono Rogério de Olissa, presidente do Instituto Onikoja e sacerdote do terreiro Humpame Kuban Bewa Lemin, em Sepetiba, onde o instituto promove atividades sócio culturais.
O documento cobra medidas de combate aos crimes de intolerância religiosa, valorização do patrimônio imaterial da cultura de matriz africana, garantia de espaços públicos para as práticas religiosas, promoção do diálogo inter-religioso e ensino nas escolas públicas da cultura da matriz africana e indígena, que já é prevista na lei municipal 1.645, de 2008. "Não se trata de ensino religioso, mas das culturas tradicionais", destaca o presidente do instituto.
A violência contra praticantes das religiões de matriz africana — que o sacerdote classifica como "racismo religioso" e não apenas intolerância— é uma das grandes preocupações. Humbono Rogério, que usa vestimentas tradicionais no dia a dia, conta que já sofreu pelo menos quatro agressões verbais na rua. "Se isso dói na minha alma, imagino para um irmão, que também sofre preconceito racial", lamenta.
A mesma intolerância se manifesta nos ataques às práticas religiosas das comunidades tradicionais. Por isso a proposta de criação de espaços públicos para realização dos rituais com garantia de liberdade e segurança, que o sacerdote chama de "parques sagrados dos orixás". Segundo Humbono Rogério, os aspectos práticos da proposta, como localização e forma de gestão dos espaços, deve ser construída por meio do diálogo entre as comunidades tradicionais e a administração pública.
Desde 2000 o Instituo Onikoja promove atividades sócio culturais e de acolhimento no espaço de 3 mil metros quadrados em Sepetiba para qualquer interessado, independente da religião. "Somos os atuais quilombos urbanos, acolhemos sem falar de religiosidade, isso é da natureza africana", diz Rogério. Segundo o sacerdote, pesquisa realizada pela instituição apontou que 78% das pessoas atendidas são evangélicas ou católicas. "Elas vencem o preconceito para vir aqui", diz.
Há quatro anos, o Onikoja promove encontros afrodialógicos, que este ano chegou à oitava edição, com o intuito de capacitar lideranças das comunidades de axé para defender a cultura tradicional de matriz africana e promover diálogos de paz. Humbono Rogério de Olissa destaca que é fundamental que sociedade aprenda a distinguir a cultura das comunidades tradicionais de sua religiosidade. "Você não precisa ser católico para apreciar a arte barroca, nem precisar ser candomblecista para gostar de acarajé", exemplifica.
Respostas dos candidatos
O ex-prefeito Eduardo Paes (DEM), líder nas pesquisas, acolheu, em carta, as propostas do Instituto Onikoja e prometeu "adotar e incentivar políticas públicas que possam contribuir para o combate aos crimes de intolerância religiosa", como fez nos dois mandatos como prefeito (2009 a 2016) e retomar "ações de valorização do patrimônio imaterial da Cultura de Matriz Africana, promovendo o diálogo interreligioso". Paes afirmou ser um compromisso seu "garantir que práticas religiosas do culto de Matriz Africana ocorram sem perturbações e com o respeito e a dignidade que merecem", e prometeu "valorizar as contribuições da história e da cultura afro-brasileira e indígena nas atividades culturais e educativas do município"
Única candidata a gravar um vídeo como resposta, Martha Rocha, possível adversária de Paes no segundo turno, segundo o DataFolha, se comprometeu em cumprir a lei 11.645. "No nosso governo, vamos dar cumprimento à lei federal que determina o ensino de história da África e das cultura afro-descendente nas escolas municipais. Vamos estabelecer canal de diálogo e respeito com todas as matrizes religiosas e, particularmente, com a matria africana. Nosso governo não aceita intolerância religiosa, luta contra o preconceito e acredita na igualdade social". O vídeo foi gravado no Mercadão de Madureira, na Zona Norte, local que a candidata classificou como "território livre que aceita a diver cultural e religosa".
Em carta, Luiz Lima (PSL) destacou que é papel do futuro prefeito "respeitar a individualidade dos quase 7 milhões de cariocas, garantindo a liberdade religiosa, de pensamento e consciência de todos" e lembrou que a liberdade de culto é garantida pela constituição. Segundo o candidato "qualquer governante sério tem o dever de promover o diálogo entre todas as religiões e combater os crimes de racismo religioso". Luiz Lima ressaltou ser fundamental que a prefeitura "trabalhe efetivamente na valorização de comunidades tradicionais de matriz africana, além de garantir espaços públicos para suas práticas religiosas, como faz com outras religiões". Sobre a lei 11.645, prometeu criar um grupo de trabalho para fazer cumprir toda legislação voltada para garantia dos direitos das minorias, além de garantir a preservação do Cais do Valongo, criando laboratório de arqueologia no local.
Clarissa Garotinho defendeu a construção de diálogos inter-religiosos. "Um prefeito tem que ser prefeito de todos, sem colocar suas preferências pessoais acima dos interesses da cidade e de todos os cidadãos. Tenho minha religiosidade, respeito a religiosidade de cada pessoa e a cultura diversa do Rio. A candidata afirmou que seu plano de governo prevê a valorização da cultura de matriz africana e se comprometeu com a abertura do museu no Cais do Valongo, assim como a aplicação da lei 11.645. "Sobre os locais para práticas religiosas, isso será garantido a qualquer religião, sujeito apenas à regulamentação de uso do espaço público.
Fred Luz (Novo) declarou ser contra a segregação e prometeu promover justiça e equilíbrio. "Meus pais se conheceram num centro espírita kardecista, sou casado com uma protestante. Acredito em Deus e nas palavras de Jesus Cristo, que pregava o amor e a aceitação. Hoje em dia, em nome disso, se faz segregação. O Partido Novo é liberal: defendemos o respeito às leis e pelo próximo. O Estado é laico e não pode aceitar o cerceamento às liberdades individuais. Em nossa gestão, vamos promover justiça e equilíbrio".
Suêd Haidar (PMB), afirmou que "Um líder garante o estado laico. No meu governo, representações dos povos e comunidades tradicionais de matriz africana, terão assento no Conselho Científico de Governança Cidadã. No Programa de Inovação Tecnológica da Cultura integrada às secretarias do governo irei salvar, guardar e valorizar o patrimônio imaterial da cultura de matriz africana para combater os crimes de racismo religioso, promovendo o diálogo inter-religioso e a Implementação da Lei 11.645/2008".
Procurados pela reportagem, os demais candidatos não se manifestaram até o fechamento desta edição.
Bonecas Ahosis
Uma das primeiras atividades sócio culturais do Instituto Onikoja foi a produção de bonecas inspiradas nas guerreiras ahosis, mulheres que formavam regimentos militares no reino Daomé, atual Benim, na África Ocidental. A oficina começou como forma de tratamento terapêutico para mulheres em situação de vulnerabilidade social e acabou se tornando uma oficina que gera renda para as artesãs. As bonecas, que não têm rosto para que todas possam se identificar com elas, são vendidas em shoppings da cidade e pelo site do Onikoja (www.onikoja.org.br) "As artesãs pediram para que ajudássemos a cuidar de seus netos, então começamos a oficina de capoeira", lembra Rogério.
Entre as atividades culturais da instituição estão oficinas de percussão e dança, culinária afro, sabão da costa (produto natural e tradicional) entre outras. Todas as atividades são oferecidas gratuitamente.