João Pedro foi morto a tiros durante operação policial, em maio de 2020. Ele estava dentro da casa da tia, no Complexo do Salgueiro, com os primos, quando foi baleado
 - Arquivo Pessoal
João Pedro foi morto a tiros durante operação policial, em maio de 2020. Ele estava dentro da casa da tia, no Complexo do Salgueiro, com os primos, quando foi baleado Arquivo Pessoal
Por O Dia
O ano de 2020 foi marcado não só pela pandemia de coronavírus. Um outro problema crônico do estado do Rio de Janeiro também se mostrou presente: a violência. Somente no ano passado, segundo Relatório Anual do Fogo Cruzado, 22 crianças foram baleadas na Região Metropolitana do Rio - 8 delas não resistiram e morreram. Entre os adolescentes, 40 foram atingidos e 18 morreram. 
Na média, quase duas crianças são atingidas por mês. Mesmo alarmante, o número de vítimas foi 8% menor que o registrado em 2019, quando 24 crianças foram baleadas. Já no número de mortos, houve aumento: foram sete em 2019, contra oito em 2020.

Entre as vítimas baleadas, está Adrelany Pacheco de Lima, de 3 anos de idade. O que poderia ser um dia normal na vida da menina, se transformou em um pesadelo, no dia 2 de abril de 2020, quando ela voltava para casa com a mãe. As duas estavam na Rua Carvalho de Araújo, no bairro Raul Veiga, em São Gonçalo, quando ficaram no meio de um tiroteio durante uma operação policial. A menina foi atingida por uma bala perdida, foi socorrida e sobreviveu. Com apenas 3 anos de idade, Adrelany entrou em um “ranking” que nunca deveria ter feito parte: ela é uma das vítimas mais jovens baleadas em 2020.

Além de números nas estatísticas, cada caso tem uma história por trás. Como a de uma menina, com 3 anos de idade, atingida por bala perdida enquanto brincava. Parece a mesma história, mas não é. Era noite de 14 de setembro e a criança brincava na porta de casa, em Santa Cruz da Serra, Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. A menina, que não teve o nome revelado, foi atingida no tórax e levada para o Hospital Adão Pereira Nunes, também em Caxias, onde foi socorrida e sobreviveu.

"Ela teve duas fraturas na coluna e tem um pouquinho de sangue no pulmão que devem drenar, mas ela está estável e fora de risco (...) Na hora que ela levou um tiro foi uma correria, eu ainda tentei proteger a minha filha, abracei ela, mas ela se feriu. Ninguém espera que isso vá acontecer com um filho. Mãe nenhuma espera”, contou a mãe da menina, que também não quis se identificar.

Entre os adolescentes, chega a 40 o número de baleados em 2020
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Uma das histórias tristes de episódios de violência, está o caso do adolescente João Pedro Mattos Pinto, que tinha 14 anos. Ele cumpria a quarentena para se proteger do coronavírus quando foi morto, dentro de casa. Ele brincava com os primos quando começou uma operação conjunta das polícias civil e federal no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo.

Após ser baleado, João foi levado pelos policiais. A família ficou sem notícias do garoto até o dia seguinte, quando foi informada a morte.

"Ele nem estava saindo de casa por conta dessa pandemia. Aí, o primo passou na casa dele e foi lá buscá-lo para brincar. Eles estavam no quintal da casa. Ele se assustou com o policial, e o policial atirou na barriga dele. Até agora não sabemos de nada. Se ele morreu no local, a caminho do hospital", disse Georgia Matos de Assis, 41, tia de João Pedro, à época, ao UOL.

Com João Pedro, o Grande Rio teve 40 adolescentes baleados em 2020, uma média de três baleados por mês. Dentre eles, 18 morreram. Comparado com o ano anterior, quando 89 adolescentes estiveram na linha de tiro, o ano de 2020 teve uma queda de 55%. Já em relação aos adolescentes que não resistiram, houve uma queda ainda mais significativa: 66% - já que o ano de 2019 encerrou com 53 adolescentes mortos a tiros.

Sem operações na pandemia

A morte de João Pedro foi um fator importante para que o STF determinasse a suspensão de operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro durante a pandemia. O ministro Edson Fachin disse que “muito embora os atos narrados devam ser investigados cabalmente, nada justifica que uma criança de 14 anos de idade seja alvejada mais de 70 vezes. O fato é indicativo, por si só, de que, mantido o atual quadro normativo, nada será feito para diminuir a letalidade policial, um estado de coisas que em nada respeita a Constituição”. O ministro se refere aos 70 tiros que foram contados na casa.

A decisão de suspender as operações durante a pandemia foi tomada com base em uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), feita por entidades como Educafro, Justiça Global, Redes da Maré, Conectas Direitos Humanos, Fogo Cruzado e muitas outras.