Praça do Suspiro, no centro de Nova Friburgo, foi um dos locais atingidos por deslizamentos em 2011 - Arquivo/ Agência Brasil
Praça do Suspiro, no centro de Nova Friburgo, foi um dos locais atingidos por deslizamentos em 2011Arquivo/ Agência Brasil
Por Paula Valviesse
NOVA FRIBURGO - Passaram dez anos daquela madrugada que mudou completamente o cenário das cidades da Região Serrana, que entrou para a história como o pior desastre natural do Brasil e chegou a ser classificada pela Organização das Nações Unidas (ONU) como uma das dez piores tragédias da história mundial no último século, mas para os friburguenses que viveram esse momento de terror, as imagens daqueles dias 11 e 12 janeiro de 2011 ainda são bem vívidas.

Para a jornalista e professora, Sarita Pereira, olhas as marcas ainda visíveis nas montanhas, nos locais que tiveram os maiores deslizamentos de terras, mostra que as cicatrizes na natureza ainda não se fecharam, assim como as cicatrizes de quem viveu aquele momento: “Não parece que já se passaram dez anos, porque a gente ainda olha para as montanha e consegue ver as cicatrizes daquele dia”.

“As lembranças da tragédia para mim começam no dia 11, meu último dia de emprego na confecção e primeiro dia numa TV local. No ônibus a caminho de Olaria, passando pelo Hospital Municipal Raul Sertã eu vi uma grande movimentação de pessoas e ambulâncias, mas só fui saber o que estava acontecendo quando, no Centro, um bombeiro entrou no ônibus e disse que estava de folga, mas precisava chegar em Olaria porque um prédio havia desabado e os companheiros estavam precisando de auxílio. Me lembro bem dele pedir ao motorista para não fazer paradas”, conta Sarita.

O prédio em questão foi a primeira ocorrência grave daquele dia 11 de janeiro, onde o imóvel de três andares, localizado na Rua São Roque, em Olaria, desabou, matando uma criança e um idoso. Graças ao trabalho do Corpo de Bombeiros uma mulher que estava no prédio foi resgatada com vida.

Mas a chuva estava apenas começando, por volta das 21h daquele dia caíram algumas pancadas fortes, chegando às estações meteorológicas do município a registrar 90 milímetros, um índice que, segundo o coronel Roberto Robadey, que na época era chefe da Defesa Civil de Nova Friburgo, era considerado crítico.

“Desde a manhã do dia 11 de janeiro de 2011 que a chuva já me preocupava. Eu estava saindo de casa para uma reunião na qual trataria da transformação da Defesa Civil em secretaria e me lembro que ao chegar na calçada do meu prédio, na Avenida Alberto Braune, a chuva estava muito forte. Olhei o celular e as estações já estavam marcando 60 milímetros de chuva em 24 horas e rapidamente iria chegar a 80 milímetros, que era um índice que tínhamos como crítico. Em Nova Friburgo, sempre que chove mais de 80 milímetros em 24 horas cai uma barreira ou acontece alguma coisa mais grave”, explicou Robadey.

Se 80 milímetros já era um estágio crítico, não é difícil imaginar os estragos causados pelo temporal daquela noite. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), em 24 horas foi registrado um volume de chuva de 182,6 milímetros, com maior precipitação na madrugada do dia 11 para o dia 12 de janeiro. Sendo que no dia anterior já havia sido registrado que o volume de chuva passou dos 90 milímetros.

A jornalista Priscila de Lima era editora de um jornal local. Na rua em que morava na época, a Rua Cristina Ziede, ocorreu o deslizamento que derrubou um prédio, soterrando várias pessoas e matando os três bombeiros militares que atuavam no resgate das vítimas. O sargento Marco Antônio Verly e os soldados Flávio Freitas e Vítor Lembo foram atingidos por um segundo deslizamento de terra no dia 12 de janeiro.

“No final da tarde do dia 11 de janeiro de 2011 começamos a noticiar a chuva intensa que caía em Nova Friburgo e, como consequência, a queda de um prédio de três andares no bairro de Olaria. Jamais poderia imaginar que aquele era início de um triste e fatídico capítulo da história da minha cidade. Por volta das dez horas da noite, comecei a receber ligações informando que muitas ruas da cidade estavam alagadas. Logo depois tivemos queda de energia, a comunicação foi ficando cada vez mais difícil e a madrugada foi tomada por gritos e estrondos, que não sabíamos ao certo se eram provenientes de trovões ou de deslizamentos de terra”, relata Priscila.

Foram mais de 30 deslizamentos de terra no município, além da enchente, que mudou o curso de rios e chegou a ultrapassar três metros em alguns bairros da cidade. Bairros e até distritos inteiros ficaram ilhados, uma vez que as estradas estavam bloqueadas por uma quantidade tão grande de terra, que a única forma de acesso era por meio de helicóptero.

A visão da cidade de cima foi o momento mais impactante para o coronel do Corpo de Bombeiros, João Paulo Mori, que na época ainda era tenente-coronel e comandava o 6º Grupamento de Bombeiro Militar de Nova Friburgo.

“Sai de casa por volta das 4h e tive que ir para o quartel a pé, porque não tinha como passar de carro, nem de moto. No dia anterior eu estive no desabamento do prédio em Olaria e havia alertado os bombeiros sobre a chuva, que já caía forte por volta das 21h30. Consegui fazer um sobrevôo na cidade no início do dia 12, se entre o centro e o Campo do Coelho tinham caído sete barreiras. Aquele reconhecimento aéreo foi desesperador, bateu uma sensação de impotência só de pensar em quantas pessoas tinham morrido naquele desastre”, diz Mori.

Em números oficiais, 917 pessoas morreram na tragédia que atingiu a Região Serrana, sendo 400 somente em Nova Friburgo. Além do município, as cidades de Teresópolis, Petrópolis e Bom Jardim também foram fortemente atingidas pelas chuvas que começaram naquele 11 de janeiro. Além disso, existe a estimativa de que cerca de 100 pessoas continuam desaparecidas até hoje na região.

Responsável pela administração do município neste ano em que se completa 10 anos do desastre, prefeito Johnny Maycon conta que perdeu amigos e que teve sua casa interditada por estar numa área considerada de risco. Para ele, ao falar sobre o sentimento que vem à tona nesse 10º aniversário da tragédia, o momento é de reflexão, mas há ainda um sentimento de abandono por parte do Poder Público, que infelizmente não cumpriu integralmente com as suas obrigações ao longo desses 10 anos.

Sobre as ações do novo governo para impedir que o desastre se repita, Johnny Maycon diz: “Além do investimento na Defesa Civil, vamos implementar medidas de mapeamento e monitoramento contínuo das áreas de risco para que possamos tomar ações planejadas com o intuito de prevenir eventos climáticos. Vamos também, através da secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano Sustentável, atuar permanentemente fiscalizando construções que coloquem em risco a vida humana”.
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