'O vírus chegou de forma cruel: roubou-nos o cuidado com as pessoas queridas no hospital e nos tirou o ritual do último adeus" - Arte:Kiko
'O vírus chegou de forma cruel: roubou-nos o cuidado com as pessoas queridas no hospital e nos tirou o ritual do último adeus"Arte:Kiko
Por ANA CARLA GOMES
A canção de Tom Jobim aparece sempre em minha mente na chegada do terceiro mês do ano, que tem início amanhã: "São as águas de março fechando o verão...". As chuvas costumam encerrar a temporada mais ensolarada do nosso país num prenúncio do outono, com as folhas alaranjadas formando um tapete. Uma nova estação, enfim, se anuncia.

Contraditoriamente, completamos, em março, um ano da primeira morte por covid-19 no país e o ciclo da angústia na luta contra um inimigo invisível. Com ele, vieram o trabalho em casa, as videochamadas, o ensino a distância para as crianças... Tudo muito novo. O vírus chegou de forma cruel: roubou-nos o cuidado com as pessoas queridas no hospital e nos tirou o ritual do último adeus.

Com o passar dos dias, ele se tornou mais próximo, com notícias de conhecidos infectados e vítimas da pandemia. Máscara, álcool em gel, medição de temperatura nos supermercados e o ritual de higienizar as compras na volta para casa. Batizamos tudo isso de "novo normal".

Velhos hábitos, no entanto, se mantiveram. O famoso "Você sabe com quem está falando?" teve vez no noticiário da pandemia. No meio da esperança da vacina, antigos vícios: fura-filas, falsas imunizações de idosos e escassez de doses. Falta de empatia. Vieram também as aglomerações, talvez com a armadilha de normalizar o que jamais deveria ser algo corriqueiro: as perdas, inúmeras e dolorosas.

Há um ano, renovamos seguidamente as forças, com fé na chegada de uma nova estação. Que seja de cura. Que seja como a da canção: "É a promessa de vida no teu coração...".