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Pelo WhatsApp, paciente com covid pede ajuda para não morrer
Após três dias de espera, mulher com saturação a 38 é transferida para UTI. Mas de onde? Ela não deu entrada no hospital que consta na papelada, foi parar no Pedro Ernesto, em Vila Isabel
Por Martha Imenes e Thuany Dossares
Não bastassem a dificuldade de respirar, a dor e o medo aterrorizante que acarreta a covid-19, pacientes e familiares padecem de outro mal, o abandono de quem deveria zelar pelos doentes. Um apelo ao jornal O DIA veio junto com uma grave denúncia: pacientes da UPA do Hospital Municipal Moacyr do Carmo, no Parque Beira Mar, em Duque de Caxias, ficam à míngua nas enfermarias. Profissionais de saúde já não conseguem dar conta da quantidade de pacientes com covid. Sofrem pacientes, sofrem familiares, sofrem funcionários...
Pelo WhatsApp, a mãe de Débora Linhares pede socorro, implora que a tirem dali porque ela não quer morrer. Luiza Linhares, de 65 anos, foi internada na terça-feira, vítima da covid-19. Ao longo da semana a filha esteve na unidade, mas não conseguia falar com a mãe. Por sua vez, Luiza não sabia que Débora estava todos os dias na porta da sala vermelha. Em uma das mensagens a que O DIA teve acesso, dona Lulu, diz que não bebe água, que o alimento não chega e faltam informação e cuidado. "Me ajude por favor! Muita falta de ar, ninguém vem aqui saber nada, estou abandonada", clama Luiza.
Mais adiante ela diz que a saturação (de oxigênio) foi a 38, e que está sem banho, toda urinada e evacuada. "Aqui é um inferno toda hora vai um. Aqui não se dorme, é gritaria. Não existe choro mais", desespera-se a paciente. "Me tire daqui, me ajude gente, não deixe eu aqui morrendo feito um animal. É escolhido quem fica e quem vai", pede pelo WhatsApp.
Na sexta-feira Débora conta que saiu a transferência da mãe para o Hospital São José, também em Caxias, às 15h, e às 16h15 ela entrou na ambulância. "Não pude ir na ambulância com a minha mãe, filmei ela saindo. Dentro da boca parecia que tinha um monte de flocos, fiquei apavorada! Fui até o São José, mas chegando lá ela não tinha dado entrada e a ficha continuava para preencher", conta Débora. "Minha irmã foi correr todos os hospitais atrás da minha mãe, eu voltei para o Moacyr do Carmo e informaram que ela tinha ido para onde foi informado na ficha (de transferência), mas ela nunca chegou lá", lamenta.
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Desesperada, Débora procurou o jornal O DIA, e com ajuda da assessoria da Secretaria de Saúde do município, Luiza foi localizada. De Duque de Caxias, ela foi parar no Hospital Universitário Pedro Ernesto, em Vila Isabel, na Zona Norte do Rio. A senhorinha está internada na UTI Covid do hospital. Em uma longa conversa, Débora fez um relato assustador dos dias que passou na porta do hospital para (teoricamente) acompanhar dona Lulu.
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"Eu não conseguia ver, nem mandar recado, nem saber o estado dela. Ela ficava lá dentro se sentindo abandonada e nervosa. Ninguém levou tranquilidade pra ela nesse momento, não avisaram que a família estava lá. Era falta de informação para nós e para ela, isso é desumano", desabafa. "Todos os dias corpos ensacados saíam dali. Ficava sem saber se minha mãe estaria em um deles, comecei a passar mal da pressão e um médico prestou socorro", diz. "Na hora de assinar os papeis da transferência foi que consegui ver de longe minha mãe deitada na maca", conta Débora.
Na parte de trás do hospital ficam reunidos vários familiares em busca de notícias de seus entes queridos internados com covid. Na sexta-feira, ao longo do dia, Débora relata que 11 adolescentes morreram em decorrência da doença. "O desespero das mães é algo que bate forte dentro da gente. A falta de cuidado dos funcionários do hospital no trato com as pessoas é absurdo. Todos sofrem, quem está internado, os parentes e amigos que ficam esperando uma notícia que nunca vem", lamenta.
Procurada, a Prefeitura de Duque de Caxias, através da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil, esclareceu que "a regulação para a transferência de pacientes de covid-19 para hospitais do estado é feita através do SER - Serviço Estadual de Regulação, da Secretaria Estadual de Saúde SES RJ. Cabe ao município dar entrada do pedido junto ao SER, que é o único responsável em buscar a vaga e dar autorização à Secretaria Municipal de Saúde para que proceda com a transferência. No caso da paciente Luzia Linhares Gonçalves, todos os documentos que a SMSDC teve acesso confirmam a transferência, desde o primeiro momento, para o Hospital Estadual Pedro Ernesto. O que foi feito, através de transferência realizada por ambulância do SAMU, na tarde desta sexta-feira (26/03). A SMSDC esclarece ainda que as informações sobre transferência estão à disposição dos familiares no setor NIR do Hospital Municipal Dr. Moacyr Rodrigues do Carmo (HMMRC), unidade de origem da paciente. A unidade também conta com o serviço de Assistência Social, pronta para acolher a família e prestar as informações necessárias".
Sobre a higiene dos pacientes, "a direção do HMMRC informa que diariamente a Enfermagem cumpre a rotina, com banho e assistência aos pacientes internados. A direção esclarece ainda que não procede a informação de ocorrência de 11 óbitos de adolescentes por covid-19 na unidade e informa que nas últimas 24 horas foram registrados quatro óbitos de pacientes na UPA Beira Mar, na faixa etária entre 68 e 80 anos. No Hospital Municipal Dr. Moacyr Rodrigues do Carmo, o CTI registra um óbito de paciente, com 53 anos", diz a nota, acrescentando que o "Município de Duque de Caxias registra 16.580 casos".
O jornal O DIA esclarece que o nome da paciente é Luiza, e não Luzia, como informado pela prefeitura.
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Filha pretende denunciar o caso na Ouvidoria
Débora Linhares conta que até descobrir o real local para onde sua mãe foi transferida, viveu horas de angústia e desespero, e chegou até a passar mal. Mesmo já tendo encontrado dona Lulu, Débora garante que irá denunciar o atendimento e a confusão que aconteceu na transferência de Luiza, para a Ouvidoria.
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"Eu exijo uma resposta. Se ela foi encaminhada para uma unidade e no meio do caminho decidiram fazer outro trajeto, eles deveriam informar a família. Mandaram seguir a ambulância, mas precisei passar em casa. Vou fazer a reclamação e exijo explicação. Por que mudou o trajeto e não me informou? Eu lá no hospital esperando ela chegar, fiquei até 22h e nada dela, fiquei desesperada. Nem que eu tenha que entrar na Justiça, eles tem que me dar uma explicação. Não quero dinheiro, quero que respondam por isso, é um erro grave", reclamou.
Para Débora, o que ameniza a situação, é saber que sua mãe está sendo bem tratada no Hospital Universitário Pedro Ernesto. Ela relata que na nova unidade de saúde, já conseguiu falar com dona Lulu por chamada de vídeo e que a mãe já apresenta até outro semblante.
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"Eu fiquei sem chão, sem saber o que fazer, me atacou crise de asma. Mas depois, graças a Deus, a minha irmã conseguiu falar com ela por telefone, para ter certeza que era ela. Minha mãe está falando agora, antes minha mãe mal respirava, ela estava morrendo. Hoje (sábado) vimos que ela está bem, fizemos uma chamada de vídeo, ela já tomou banho, mudou até o semblante", disse.
Os familiares de dona Lulu afirmam que ela aparenta estar com estado de saúde melhor. O DIA procurou a Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia para ter novidades oficiais a respeito do caso, através de assessoria de imprensa a pasta respondeu que informações a respeito do quadro dos pacientes do Hospital Pedro Ernesto são passadas na própria unidade, às 14h, para o familiar.
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"Uma das recomendações é que um familiar vá até o local e procure o serviço social ou a recepção. Além disso, equipes do Hupe também estão ligando para familiares de pacientes com covid-19 para passar atualizações, de modo a evitar aglomeração no local", diz a nota.
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