Especialistas dizem que habitações perto de encosta são um perigoReprodução Internet
Após desabamento, outras construções correm risco em Rio das Pedras
Casas de três e quatro andares, construídas próximo ao mangue, estão inclinadas. Moradores dizem que obras foram feitas pelo mesmo grupo miliciano apontado como responsável pela tragédia na Muzema, em 2019
Rio - Um rápido olhar pelas construções ao longo da Avenida Canal, em Rio das Pedras, já é suficiente para perceber que algo na paisagem está fora do lugar. Três habitações, com três ou quatro andares cada, estão inclinadas numa angulação que desafia engenheiros e geólogos. Elas foram levantadas em uma área aparentemente de mangue, a menos de 100 metros da Lagoa da Tijuca, e todas estão ocupadas. Moradores da região afirmam que as habitações foram construídas sob o controle de milicianos. Especialistas apontam novos riscos de desabamento.
Na última quinta-feira (3), quando um prédio de quatro pavimentos desabou e matou Nathan Souza e a filha Maitê, de dois anos, O DIA percorreu ruas de Rio das Pedras e observou construções que parecem colocar em risco a segurança dos moradores, como um pequeno conjunto na localidade conhecida como Areal. Vizinhos dizem que os três prédios foram levantados em 2018, sob as ordens de José Bezerra de Lira, o Zé do Rolo, apontado pela Polícia Civil como o construtor e vendedor dos prédios que desabaram na Muzema em abril de 2019, deixando 24 mortos.
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Zé do Rolo está preso desde setembro daquele ano, quando foi capturado pela Polícia Civil no município de Afogado da Ingazeira, no sertão de Pernambuco. Na época, ele afirmou ter fugido para o Nordeste por medo de represálias da milícia carioca. A construção das casas de Rio das Pedras teria acontecido no mesmo período dos edifícios da Muzema. Atualmente, os apartamentos estilo quitinetes são alugados por valores que fariam entre R$ 300 e R$ 450.
"O Zé do Rolo está preso, mas há outros encarregados dele circulando por Rio das Pedras e fazendo negócio", conta um morador, que não será identificado. "Há prédios sendo erguidos a todo o momento, em diferentes pontos de Rio das Pedras. E na mesma rapidez que eles levantam, eles alugam. Rio das Pedras não para de receber gente, e o dinheiro circula".
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Na Areinha, localidade onde o prédio de quatro andares desabou na última quinta-feira, cada rua tem o nome de uma fruta. A Rua das Uvas, local do acidente, é paralela a Rua das Tamarinas, onde as habitações apertadas também preocupam moradores. Maria (nome fictício) afirma conviver diariamente com o medo de a casa do vizinho desabar. O primeiro pavimento da construção aparenta estar inclinado.
"Ainda que avaliar por foto não seja o ideal, é possível perceber que as edificações parecem estar sob risco e deveriam, portanto, ser desabitadas", analisa Francis Bogossian, conselheiro do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio (Crea-RJ) e presidente da Academia Nacional de Engenharia.
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"Há ferramentas de análise nesse tipo de construção. Pântano é solo mole, encharcado de água. Às vezes ele não rompe, mas fica sujeito a uma deformação ao longo do tempo. Toda casa construída nessas condições têm risco. Mas uma casa de três pavimentos corre mais risco do que uma de dois pavimentos, por exemplo. Quanto mais pesado, mais arriscado", pontua o engenheiro.
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Bogossian explica que construção em terrenos aparentemente pantanosos, como é o caso da comunidade de Rio das Pedras, precisam de estudos do solo e de engenheiros especializados. "Construir num terreno pantanoso não é recomendável jamais. Mas se você for obrigado a construir em cima, é preciso proceder a estudos geológicos, geotécnicos, topográficos. Tem que ter um projeto executivo elaborado por especialistas".
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O medo da denúncia
A Polícia Civil montou uma força-tarefa para investigar a atuação das milícias em empreendimentos imobiliários em Rio das Pedras. O grupo conta com duas delegacias da região - 16ª DP (Barra da Tijuca), a 32ª DP (Taquara) -, além da Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA) e a Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas e Inquéritos Especiais (DRACO). Moradores da comunidade dizem não conviver diretamente com grupos milicianos, mas sabem do controle sob o território, o que inibe as denúncias, como é o caso de Maria, moradora da Areinha.
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"Eu nunca procurei prefeitura, secretaria, porque sei que não vêm. É perigoso. O que faço é tentar convencer meu vizinho de chamar alguém para ver essa construção, e torcer para nada cair com a gente dentro. Mas é uma agonia: as casas estão com rachaduras, infiltrações. É torcer e orar".
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