Prédio de quatro andares desabou na madrugada desta quinta-feira em Rio das PedrasDaniel Castelo Branco

Por ANDERSON JUSTINO E YURI EIRAS
Rio - Apesar de abalado, Genivan Gomes Macedo não se furtou de prestar depoimento na 16ª DP (Barra), no início da noite de quinta-feira (3), algumas horas após a tragédia que vitimou seu filho, Nathan Souza Gomes, 29, e a neta, Maitê Abreu, 2. Indagado sobre a casa que caiu, Genivan ilustrou a realidade vivida por moradores de comunidade que desejam deixar um teto para os seus filhos, mas não alcançam a legalização: o prédio foi construído por conta própria, sem planta, nem orientação de profissionais especializados.
No depoimento, a polícia ouviu que Genivan "contratava terceiros para realizarem as obras". Ele não soube informar os nomes dos pedreiros que realizaram a construção, nem mesmo a data de conclusão das obras. Nascido no sertão do Cariri, no Ceará, Genivan chegou aos 18 anos no Rio. Trabalhou como vigia de obra, vendedor de hambúrguer, entregador de água e comprou, nos anos 1990, um terreno na Rua das Uvas, em Rio das Pedras, onde construiu a muito custo uma casa de quatro pavimentos, que só ficou pronta anos depois.
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A obra, irregular e construída em uma área de mangue, atravessou 25 anos, passou por quase dez gestões, entre reeleições e retornos, e cinco prefeitos - de Marcelo Allencar a Eduardo Paes, passando por Cesar Maia, Luiz Paulo Conde e Marcelo Crivella. De lá para cá, nenhuma fiscalização, ou assistência do poder público.
Para o Pablo Benetti, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/RJ), morar nessas área nem sempre é a melhor opção, mas a única escolha. "Não tem como ficar procurando culpado nesse momento", afirma Benetti. "O que falta nessas comunidade é uma oferta boa de habitação. No dia em que a população tiver oferta, ela vai procurar a melhor escolha. O poder público tem ferramenta para cuidar disso. Eles podem dar suporte para uma ação de assistência técnica".
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Benetti defende que a presença do Estado nessas áreas serve para que esse crescimento urbano seja de forma controlada e regular. Apesar disso, entende que a presença de criminosos nessas área impede o trabalho. "É preciso criar políticas de valorização nessas área. Não adianta apena adotar um discurso de chegar nos locais ilegais e quebrar tudo. Sem a presença do Estado, vai acontecer um crescimento acelerado, diz. 
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"O imóvel começou a ser construído na época em que o prefeito do rio era Luís Paulo Conde, urbanista e ex-secretário de urbanismo do Rio. Conde era considerado como criador de um dos principais projetos de urbanismo dentro das comunidades do Rio, o Favela-Bairro, projeto tinha como objetivo a valorização das comunidades".
Sem licença
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A Secretaria Municipal de Conservação informou que nãoconsta licença no sistema da Prefeitura para o prédio desabado em Rio das Pedras. Ainda segundo o órgão, o prédio era "ilegalizável, porque não respeita os parâmetros urbanísticos definidos pelo Código de Obras do Rio de Janeiro".
A secretaria informou que faz vistorias frequentes para combater edificações irregulares em áreas informais da cidade do Rio de Janeiro. "Desde janeiro de 2021, a Conservação já demoliu mais de 300 construções em todo o município. Desse total, somente nas áreas de AP 4 e AP 5, que englobam a Zona Oeste, foram demolidas mais de 180 construções irregulares e emitidas mais de 150 notificações, que geram processos administrativos visando à demolição", disse o órgão em comunicado.
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A Prefeitura também esclareceu que a fiscalização em áreas formais e particulares cabe à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação (SMDEIS). Em 2021, a SMDEIS já emitiu 812 autos de infração, 130 embargos, 909 notificações e 1.606 intimações.
Apesar de ter a população de 54.776 pessoas, vivendo em 18.692 domicílios — dados do último senso do IBGE — a comunidade de Rio das Pedras não tem nenhum pedido de regularização de imóvel. "Cabe destacar que, no final da década de 90, a comunidade de Rio das Pedras recebeu obras de urbanização e construção de unidades habitacionais para reassentamento, por meio do então Programa Grandes Favelas", esclareceu a Secretaria de Habitação.
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Imóvel de quatro andares desabou na comunidade de Rio das Pedras, deixando pai e filha mortos - Daniel Castelo Branco
Imóvel de quatro andares desabou na comunidade de Rio das Pedras, deixando pai e filha mortosDaniel Castelo Branco
Polícia monta força-tarefa
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Em nota, a Polícia Civil informou que "montou uma força-tarefa reunindo a 16ª DP (Barra da Tijuca), a 32ª DP (Taquara), a Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA) e a Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas e Inquéritos Especiais (DRACO) para apurar as circunstâncias do desabamento do prédio na comunidade Rio das Pedras, na Zona Oeste do Rio", além do "possível envolvimento de milicianos em construções irregulares na região". A Civil já sabe que a casa que desabou na última quinta-feira não tinha relação com o crime organizado local.
Paes: 'milícia não vai construir porcaria nenhuma'
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Ainda no local, na quinta-feira, o prefeito Eduardo Paes afirmou que, durante sua atual gestão, a "milícia não vai construir mais porcaria nenhuma nessa cidade". "Estamos demolindo permanentemente e a gente tem o desafio de cuidar do passivo", disse o prefeito. 
"Não vamos retirar todas as casas de todas as favelas do Rio, ou de todas as comunidades do Rio. O que se tem que fazer é olhar essas áreas com mais risco, olhas essas construções para tentar fazer e produzir melhorias habitacionais", completou.
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