Hudson Corrêa é conhecido por ter vencido diversas premiaçõesdivulgação

Rio - A revista portuguesa Sábado publicou no final do mês de julho e no início de agosto duas reportagens sobre o empresário Nuno Vasconcellos. A primeira, de autoria do jornalista brasileiro Hudson Luiz Corrêa, e a segunda, assinada por Ana Taborda e Bruno Faria Lopes. Baseados em depoimentos de desafetos de Vasconcellos, os textos lançam ilações sobre uma dívida bilionária e não quitada que ele teria junto a bancos portugueses — além da participação do empresário em uma teia de empresas que estariam em nome de testas de ferro.
As informações caluniosas e difamatórias publicadas pela Sábado justificaram a abertura de duas ações judiciais contra o jornalista Corrêa. Profissional experiente, agraciado em 2012 com o Premio Latinoamericano de Periodismo sobre Drogas, Corrêa hoje presta serviços eventuais como jornalista free-lancer, como o que realizou para a publicação portuguesa, e atua em campanhas eleitorais.
A primeira das ações, que pede indenização por dano moral, corre na Comarca de São Paulo. A outra, criminal, tramita na Justiça do Rio de Janeiro e tem a audiência preliminar marcada para o próximo dia 3 de novembro. Conforme levantamento feito por O DIA, nada menos do que 21 afirmações feitas na reportagem de Corrêa são improcedentes. Em alguns momentos, o repórter insiste em acusações já rejeitadas pela Justiça ou tornadas sem efeito por decisões superiores.
O texto assume como verdadeiras informações fornecidas por desafetos declarados, mas não apresenta qualquer prova das práticas atribuídas a Vasconcellos. Além disso, ignora as respostas dadas pelo empresário numa entrevista que se estendeu por pouco mais de três horas.
"TENDENCIOSA E OFENSIVA"
A entrevista a Corrêa foi concedida por Vasconcellos depois que a Sábado passou pelo menos duas semanas seguindo os passos do empresário por São Paulo. O resultado do trabalho foi uma matéria jornalística considerada "tendenciosa e ofensiva, elaborada com o intuito positivo e deliberado de difamar e injuriar", diz trecho da peça que tramita na Justiça. Por ter sido produzido no Brasil, o texto, mesmo tendo sido publicado em Portugal está sujeito à legislação brasileira.
O texto apresenta uma série de incorreções, algumas mais, outras menos flagrantes. Numa delas, afirma que os credores e as autoridades, brasileiros e portugueses, não têm sucesso em suas tentativas de localizar Vasconcellos. Em outra, afirma que o bairro em que ele reside é protegido por um sistema de segurança rigoroso. "Quando filmam estranhos, a Polícia logo é chamada e em questão de minutos, vários agentes de segurança cercam o suspeito". A própria descrição da forma como os jornalistas contratados pela Sábado para produzir a peça contra Vasconcellos desmente essa informação.
Corrêa chegou sem dificuldades ao endereço do empresário e tocou a campainha da casa sem ter sido abordado nem bloqueado por seguranças. Sem aviso prévio e sem qualquer agendamento, ele e o fotógrafo Rogério Casimiro se anunciaram como jornalistas e foram admitidos na sala por uma funcionária da casa.
Informado da presença, Vasconcellos os recebeu e se inteirou da razão da visita. "Não estou respondendo a nenhum processo em Portugal, sendo mendaz a informação de que estaria fugindo de autoridades e credores", diz Vasconcellos. Mesmo assim, concordou em conceder a entrevista e em posar para fotos dali a dois dias, desde que fossem atendidas duas condições.
A primeira delas era a de ter suas respostas às acusações que seriam feitas levadas em conta na elaboração do texto. Nas segunda, autorizou que fossem feitas fotografias e até concordou em posar até posaria para elas desde que, em contrapartida, não se publicassem fotos externas que permitissem a identificação da casa. Os jornalistas aceitaram as condições, mas nenhuma delas foi atendida.
DESAFETOS
Ao longo das 14 páginas ocupadas pelo texto, as declarações de Vasconcellos são mencionadas em pouco mais de vinte linhas, agrupadas em pequenos blocos dispersos ao longo do texto. Todas elas servem não para deixar claro o ponto de vista do empresário, mas para pontuar afirmações feitas pelos jornalistas.
A revista publicou, ainda, fotografias que expõem os hábitos da família e a imagem do filho de Nuno, de apenas três anos de idade. As imagens foram captadas sem o consentimento e publicadas sem a autorização dos pais da criança. Procurado por O DIA para comentar os processos a que responde, Hudson Corrêa recusou-se a se manifestar e recomendou que o jornal procurasse, em Lisboa, o diretor-adjunto da Sábado, Antônio Vilela, de quem ele teria recebido a encomenda para a produção da reportagem.
Vilela é um amigo próximo e interlocutor frequente de Rafael Mora, ex-sócio e atual desafeto de Nuno Vasconcellos, cuja opinião é a base para as acusações feitas a Vasconcellos na segunda reportagem, assinada por Ana Taborda e Bruno Faria Lopes. Assim como Corrêa garantiu a Vasconcellos que levaria em conta suas opiniões na elaboração do texto — o que não aconteceu —, o diretor-adjunto Vilela assegurou a O DIA que, caso fosse solicitado, concederia a Vasconcellos o direito de resposta. Desde que "não ferisse a credibilidade da Sábado e dos jornalistas envolvidos". Não é essa, porém, a prática da revista, conhecida em Portugal por praticar um jornalismo tendencioso e persecutório.
PRESERVAÇÃO DA IMAGEM
Além de afirmar que as opiniões dadas por Nuno foram levadas em conta na elaboração da reportagem — fato desmentido pela simples leitura do texto —, Vilela justifica a publicação das fotos do filho de Nuno com uma explicação que parece ignorar a gravidade do fato. "Tomamos o cuidado de embaçar o rosto da criança e não a identificamos", disse.
O recurso de intervir sobre o rosto de crianças para dificultar sua identificação não é mais aceito pela Justiça brasileira desde julho de 1990, data de publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente. A lei é rigorosa em relação à exposição das crianças e, em seu artigo 17, não oferece atenuantes para quem atente contra a "preservação da imagem" infantil.
A revista ainda violou os sigilos bancário e fiscal de Rafaela Strand de Vasconcellos, mulher de Nuno. Garantido pela Constituição brasileira, esse procedimento só não configura crime quando amparado em decisão judicial. Além disso, vale-se de documentos protegidos por Segredo de Justiça para alimentar as acusações contra o empresário.
Outro equívoco cometido pela revista é a de propositalmente atribuir a Vasconcellos toda a responsabilidade pelas dívidas deixadas pela Ongoing, empresa que ele dirigia, quando muitas delas já foram quitadas. "Embora o jornalista tente atribuir à pessoa física de Nuno a dívida de 1,2 bilhão de euros, o montante decorre do processo de falência da Empresa Ongoing, processada sem irregularidades".
De acordo com os advogados de Vasconcellos, as dívidas estão listadas no relatório que trata da insolvência da Sociedade Portuguesa Ongoing Strategy Investimenes SGPS S.A. (Ongoing) e que somam cerca de 1,3 mil milhões de euros. A equipe jurídica afirma que negociações posteriores resultaram na compra da dívida da Ongoing junto ao BCP, um dos bancos credores, o que significou a redução de 290 milhões de euros do valor inicial. Conforme os cálculos dos advogados, o patrimônio da Ongoing por ocasião da decretação da insolvência era de 700 milhões de euros. Os valores disponíveis e o patrimônio da empresa poderiam ter sido utilizados para quitar outra parte da dívida.