"Retornei como turista ao bairro que por tantos anos fez parte da minha rota diária para escola, faculdade e trabalho. Eu já não tinha mais os passos apressados, e as ruas já não fervilhavam como antes"Arte: Kiko

Há momentos que têm o poder de nos fazer viajar pelo passado, mesmo estando com os pés bem fincados no presente. Foi o que aconteceu nas minhas férias, em setembro, numa tarde no Centro do Rio. Retornei como turista ao bairro que por tantos anos fez parte da minha rota diária para escola, faculdade e trabalho. Eu já não tinha mais os passos apressados, e as ruas já não fervilhavam como antes.
Ao lado da minha amiga Tainara, rumei em direção ao Theatro Municipal para uma visita guiada. Ainda deu tempo de admirar a fachada do prédio, mas a entrada principal, na Praça Floriano, estava fechada por conta da pandemia. Na minha memória, no entanto, seguia muito viva a imagem daquela escadaria repleta de gente na saída dos espetáculos, com os táxis à espera na rua. Lancei o meu olhar para o topo do prédio para conferir também a beleza da águia que simboliza o Theatro.
Só então caminhamos até a porta lateral na Avenida Rio Branco, por onde começamos o tour. Éramos poucos visitantes, alguns turistas e outros moradores do Estado. E enquanto as histórias do local começavam a ser contadas, eu pensava em como o passado e o presente se encontravam ali. Ao visitarmos um salão que já abrigou um restaurante, a funcionária comentou que o prédio de 112 anos virou um posto de vacinação contra a covid-19. Em seguida, subimos por uma escada e, num dos lances, vi pela janela a passagem de um bonde dos novos tempos, o VLT. Fiz um clique e, mesmo com obras na fachada, identifiquei o Museu Nacional de Belas Artes do outro lado da rua.
Dentro do Municipal, o tour seguia com a decoração marcante de grandes espelhos que prendiam os nossos olhares pelo caminho. No do banheiro, o letreiro 'Granado — Pharmácias — desde 1870' me levou para um tempo que nem vivi. Já no andar de cima, após mais explicações, uma cortina vermelha se abriu para a nossa passagem, revelando o vazio daquele auditório enorme, famoso por receber concertos e demais espetáculos. Até bailes de Carnaval já tiveram vez por ali. Olhei encantada para as tradicionais poltronas e para o lustre imponente lá bem no alto. Desta vez, não precisamos correr para encontrar a cadeira numerada. Também não havia ninguém no palco.
A visita seguiu, reservando ainda a magia da escadaria em frente à entrada principal. Lembro que, nos dias de eventos, era difícil fazer uma foto sem que ninguém aparecesse atrás. E hoje posso dizer que aqueles eram bons tempos em que a aglomeração não nos afligia. Desta vez, sem o burburinho de antes, conseguimos nos revezar com tranquilidade para que cada um fizesse seu clique.
Entre os visitantes, havia um grupo que não era do Rio. Puxei papo e a senhora me contou que eles vinham de Joinville, em Santa Catarina. Reparei no seu sotaque cantado e disse: "Amo o Sul. A família da minha mãe, que já faleceu, era de Itajaí". Ela, bem simpática, retribuiu a conversa. Contou que pretendia também conhecer melhor os pontos turísticos da sua terra natal.
No fim da visita, ela me contou que estavam encerrando a viagem pelo Rio, mas iriam indicar o Municipal para amigos. A despedida, já no portão de saída, teve doçura, sorriso nos olhos e o famoso sotaque sulista. "Fico feliz que você tenha se lembrado da sua mãe", ela me disse, de forma carinhosa, encerrando a minha passagem pelo túnel do tempo.