Anderson de Jesus: 'O que eles fizeram com o meu moleque foi muita covardia. Estava cheio de ódio'BRUNA FANTTI

A tentativa de vingança de Anderson de Jesus, 25 anos, pai de um dos meninos desaparecidos em Belford Roxo, preso na sexta-feira após se unir a traficantes do Terceiro Comando Puro (TCP) para procurar criminosos rivais, autores da morte do seu filho, de 8 anos, faz parte de um longo ciclo de violência. A própria invasão é consequência de um tiroteio no dia anterior à sua prisão, que fez um policial civil ter um dedo da mão amputado.
Anderson foi preso pela primeira vez aos 18 anos de idade, em 2013. Na época, sua namorada estava grávida de Lucas Matheus, um dos meninos desaparecidos em dezembro, na Baixada Fluminense. "Queria dar uma condição melhor para meu filho e virei 'radinho'", contou Anderson com exclusividade a O DIA, já preso, na 54ªDP (Belford Roxo). Radinho é como se chama o traficante que monitora a movimentação policial.
Sua prisão ocorreu após três moradores irem até a delegacia local e relatarem que traficantes do Morro São Leopoldo os haviam expulsado da comunidade. "Todos os nossos pertences ficaram em casa", consta relato de uma das vítimas à Justiça. Na sentença, o juiz transcreveu o depoimento de um policial, que afirma que o delegado Felipe Curi, então titular da delegacia, organizou uma operação, com apoio da Core, para prender os traficantes, em menos de 24 horas.
A prisão de Anderson ocorreu nessa ação, em uma casa apontada por moradores locais com sendo usada por criminosos. No momento da prisão, Anderson disse: "Perdi, perdi, meu chefe". Em um dos armários da casa, armas foram encontradas.
Anderson esperou preso pelo julgamento e, por isso, seu nome não consta na certidão de nascimento de Lucas Matheus. "Não consegui registrar meu filho, mas ele é meu filho. A C.[mãe de Lucas Matheus] me visitava na prisão", contou. Condenado a três anos em regime fechado, ele saiu da prisão em abril 2015, por bom comportamento. "Passei a trabalhar como ajudante de pedreiro", disse. Do relacionamento da mãe de Lucas uma outra filha foi gerada, mas eles se separaram.
"Moro em Irajá e fui visitar uma tia em Belford Roxo. Soube que tinha essa reunião para invadir a Palmeirinha. Eu não sou de guerra, mas quis vingar meu filho. Meu coração sangra. Quem faz isso com uma criança de 8 anos? O que eles fizeram com o meu moleque foi muita covardia. Estava cheio de ódio e pedi para ir junto", relevou. Anderson foi preso, na sexta-feira, ao lado de sete traficantes do Terceiro Comando Puro (TCP), já na Palmeirinha, comunidade que foi dominada pelo Comando Vermelho (CV) há cerca de dois anos. 
Após a separação do casal, de Lucas Matheus continuou a morar com a mãe no Castellar, também área do CV. De acordo com investigação da Polícia Civil, ao lado de outras duas crianças, no dia 27 de dezembro, Lucas Matheus foi raptado pelos traficantes do CV por ordem do gerente do tráfico, que determinou um ‘corretivo’, ou seja, um castigo físico. Elas haviam pego um passarinho de canto do tio de um criminoso.
Uma das crianças não resistiu e morreu. As outras, testemunhas, foram mortas. Seus corpos teriam sido desmembrados e jogados em um rio.
Policial teve dedo amputado
Na quinta-feira passada, policiais da 54ªDP souberam da movimentação de traficantes em um carro e, com apoio de policiais militares fizeram um cerco. Em uma das ruas, próximo ao Castellar, dois veículos foram interceptados, com cerca de oito criminosos armados, que atiraram. Nesse momento, o policial Hélber dos Santos Sacramento, 37 anos, que estava como motorista da viatura, foi baleado na mão.

Armas que estavam com o grupo dos traficantes  de Lalá - Divulgação
Armas que estavam com o grupo dos traficantes de LaláDivulgação

"Mesmo ferido, procurei manter a calma, pois sabia que se me desesperasse iria ser pior. Desci da viatura, dei apoio ao fuzil, e revidei os tiros. Consegui me abrigar atrás do carro", relembrou. Socorrido, ele teve o dedão da mão esquerda amputado. O agente já recebeu alta e uma cirurgia para retirar o dedo mindinho e implantar no lugar do dedão está sendo estudada. "Não quero parar de trabalhar", disse.
Sacramento faz parte do Grupo de Investigação Criminal da 54ªDP e estava na viatura com outros dois agentes, que não se feriram. Na troca de tiros, o chefe do tráfico da Palmeirinha, Felipe Rodrigues da Silva, o Lalá, foi morto. Foram presos outros dois criminosos e apreendidos dois fuzis e carregadores.
Em luto pela morte de Lalá, traficantes fizeram funks e se lamentaram nas redes sociais. Vendo uma oportunidade, criminosos do TCP optaram por tentar invadir a Palmeirinha, na tarde de sexta-feira. Nessa ocasião, a PM prendeu sete traficantes dessa facção, incluindo Anderson, pai de Lucas Matheus.
Transportador de traficantes foi preso
Ainda na sexta-feira, o dono do carro utilizado pelos criminosos onde estava Lalá, identificado como Renan Pereira, compareceu à delegacia e disse, inicialmente, que o veículo havia sido roubado mas entrou em contradição. Depois, afirmou que foi obrigado por traficantes a ceder o veículo. Mas, não contava encontrar, na mesma delegacia, os traficantes do TCP presos pela Polícia Militar.
Um dos traficantes rivais afirmou que Renan era motorista de Lalá e ele também foi preso. Segundo um dos inspetores do GIC, a Palmeirinha é estratégica pois é de fácil acesso para usuários de drogas. Com isso, a delegacia continua o trabalho de investigação para identificar os criminosos e, quem sofre, são os inocentes. “É um clima muito ruim. É tiroteio a qualquer hora do dia. Ontem, foram 2h só de tiros, em plena tarde de sexta-feira”, desabafou uma moradora.