Desde a separação, Bruno afirma que não passou mais de uma hora ao lado da filha, hoje com 5 anosDivulgação

O convívio familiar nem sempre é harmonioso, principalmente quando há um processo de separação em questão. E não muito incomum, nessa situação, ocorre a alienação parental, quando um dos genitores – ou a mãe, ou o pai – tenta afastar o outro genitor dos filhos. Desde 2010 uma lei foi sancionada em uma tentativa de solucionar problemas advindos de separações litigiosas. No Rio, há uma lei que vigora desde 2017, além de uma Campanha de Combate à Alienação Parental na Alerj. Dados do Tribunal de Justiça (TJRJ) revela que só em 2016 foram registradas 70 ações de alienação parental. Casos já passaram de 200 registros.
Há quatro anos o MP do Rio tenta reverter o número de casos no estado e estabelecer um soluções para casais que brigam pela guarda dos filhos, por meio do projeto "Pais em Paz - Restaurando Laços".  Os casos de alienação parental são encaminhados para uma equipe técnica formada por promotores de Justiça e psicólogos, que passam a acompanhar o caso de perto, com atendimentos semanais. O objetivo é conscientizar as partes envolvidas e trabalhar a restauração da convivência, evitando danos maiores para pais e filhos.

Na luta pela causa, um grupo de pais criou a Associação Nacional em Defesa dos Filhos pela Igualdade Parental (Anfipa), em 2019. A associação agrega pais, mães e avós que são privados ou restringidos do convívio familiar.

"O objetivo da associação são as crianças, ela surgiu para cuidar do direito da criança igualdade parental. No início era um grupo de homens, mas depois mulheres que sofriam o mesmo problema começaram a aparecer, eram mães, avós... E entendemos que este problema não tinha gênero, é uma questão de que tem o poder usa, muitas vezes, a criança como instrumento de vingança. Especificamente, lutamos para garantir os direitos da igualdade parental pelo olhar da criança".

Ele acrescentou ainda que acredita na guarda compartilhada como o melhor caminho. "É de suma importância garantir o direito de convivência com ambos os genitores e seus familiares".

Adriano Dias, da ComCausa, instituição da Baixada Fluminense, afirmou em uma audiência na Alerj que a alienação parental é muito comum e que a lei tem sido uma grande aliada para pais nesta situação. "O objetivo sempre é em busca da preservação de um convívio familiar saudável e da garantia da saúde física e mental das crianças e adolescentes".

De acordo com a lei, é considerado alienação parental: dificultar contato de criança ou adolescente com o outro genitor, desrespeitar as regras de convívio estabelecidas, omitir informações da criança ou adolescente, apresentar falsa denúncia contra o outro genitor ou seus familiares, e mudar o domicílio para local distante. O pai ou mãe que cometer estes atos, que são caracterizados como abuso psicológico infantil, está sujeito ao pagamento de multa e até mesmo, dependendo da gravidade e repetição, à perda da guarda da criança ou adolescente.
A Comissão dos Assuntos da Criança, do Adolescente e do Idoso da Alerj registrou, até o momento, dois relatos de alienação parental em 2021, feitos através do Alô Alerj. 

Lei sob ameaças

Em 2020 um Projeto de Lei de autoria da deputada Iracema Portella (PP-PI) propôs a revogação da Lei de Alienação Parental. Em audiência na Câmara, a deputada federal Marília Arraes (PT/PE) disse que é preciso uma nova análise. 

"Todos os demais países que possuíam legislação similar já revogaram em função dos problemas e riscos às crianças que vinham sendo observados. É fundamental que ela seja revista no ordenamento jurídico brasileiro", ressaltou a parlamentar. 

Ela ainda argumentou que muitos homens usam a alienação parental para se esquivarem de acusações graves. "Um exemplo muito simples é quando a mãe denuncia o pai depois da criança chegar em casa e contar que foi abusada. A mãe toma todas as providências e não deixa a criança voltar para o pai. Com isso, o pai alega que a mãe está inventando situações e vai para a Justiça, usa a alienação parental e toma a guarda da mãe", disse a deputada Marília Arraes.

Para especialista em Direito da Fundação Getúlio Vargas, Elisa Cruz, é preciso refletir sobre a questão. "Dependendo do crime, a violência doméstica impediria a convivência entre pais e filhos. O art. 1.638 do Código Civil diz que em casos de homicídio, feminicídio, lesão corporal grave ou seguida de morte, estupro ou estupro de vulnerável contra a mãe ou contra filho, filha ou descendente leva à perda do poder familiar, que é algo mais grave do que apenas a impossibilidade de conviver. Portanto, não faz sentido revogar a lei baseado em casos assim".
Uma pesquisa liderada pela psicóloga Glícia de Mattos Brazil, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que mostra que, nas 13 varas de família do município do Rio, 80% das denúncias de abuso contra crianças em situações de acusação de alienação parental e briga pela guarda de crianças são falsas. Os dados dizem respeito à comarca da capital e vara de família.
"A cada dez acusações de abuso sexual em processo de família, na realidade, em torno de dois restam evidências de abuso real e são remetidos para a vara criminal", explica a psicóloga.
“Em muitos casos quando um dos genitores quer afastar a outra parte da criança, infelizmente, usa dessa denúncia caluniosa. E até que prove a verdade é um processo com muita dor e sofrimento de quem foi acusado injustamente, que tem sua reputação destruída e o convívio com o filho interrompido até a decisão final do juíz. Muitas vezes, o convívio nunca mais é restaurado, mesmo quando o genitor vence a causa", afirma Vinicius Ferreira, da Anfipa.
Elisa Cruz ressalta que revogar a lei é deixar de proteger em primeiro lugar, a criança. "O problema de revogar a lei é que se perde a dimensão da proteção da criança e se retorna a pensar na mulher adulta, contrariando o que a lei pretendia".

Para Ana Paula Salles, presidente da Associação de Mulheres de Itaguaí Guerreiras e Articuladoras Sociais, a Lei de Alienação Parental precisa ser ajustada para que não haja ambiguidade. "Sou uma vítima da alienação parental. Há dez anos eu não vejo a minha filha. É uma dor muito grande. Por outro lado, eu vejo que muitas pessoas se utilizam da alienação parental para manipular a situação. Então, eu acredito que a Lei da Alienação Parental seja importante sim, mas precisa de ajustes".
A presidente dos Assuntos da Criança, do Adolescente e do Idoso da Alerj afirmou que fará uma audiência pública para discutir o assunto. "Diante da discussão nacional de pontos apontados como controversos da lei, os membros da Comissão aprovaram a realização de uma audiência pública. A legislação federal impacta no dia a dia dos estados e famílias, sendo necessário garantir os direitos das crianças e adolescentes", declarou a deputada federal Rosane Félix.


Convívio familiar complicado

O policial militar Brunos Santos luta há quase três anos para conseguir a guarda da filha. Ele alega que a ex-companheira dificulta o contato de pai e filha.

"Venho pedindo a guarda compartilhada, mas tem sido muito difícil. Tenho uma ordem judicial expedida para falar com a minha filha desde 2020, mas mesmo assim não consigo. Eu ligo e a mãe diz que ela está dormindo ou simplesmente não atende. Quando a minha filha atende, ela diz que quer desligar. Desde a separação eu não consegui ficar com ela por mais de uma hora".

O policial afirma ter sido vítima de uma acusação caluniosa da ex-mulher. "Ela me acusou de agressão e disse que eu a ameacei de morte. Em nove anos de convivência eu nunca a agredi. Não há nenhum registro anterior e as acusações foram arquivadas por falta de provas. Foi algo para me prejudicar. Ela sempre teve uma posse muito grande, sempre me afastou da minha filha, mesmo antes da separação".

A Alienação Parental acontece não só com pais e mães, mas também com avós. "Estou há mais de um ano tentando ter contato com meu neto. Estou encontrando diversas dificuldades, proibições que envolvem muitas mentiras e falsas acusações. O que vai ser falado pra ele quando crescer sobre essa ausência de um lado da família dele? Será que ele vai me odiar achando que não quis ficar perto dele? Realmente não sei como isso vai ser. Eu vou continuar lutando todos os dias, disso não abro mão jamais", relatou S.

Ela lamenta a ausência do neto e o tempo de convivência perdido. "Todo o processo demora muito. O tempo perdido não volta mais, o contato perdido não será recuperado, as fases do nascimento até hoje, nada vai substituir e a criança sempre será o maior prejudicado. É direito da criança conviver com a família materna e paterna. Quero muito ver meu netinho correndo desajeitado novamente na sala da minha casa, com o olhinho brilhando e sorrindo", emociona-se.