Corpos encontrados em área de mangue no Complexo do Salgueiro foram retirados pelos próprios moradores e envolvidos em lençóis brancosMARCOS PORTO/AGÊNCIA O DIA

Rio - Moradores do Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, afirmam que mais de dez corpos foram encontrados no domingo (21) em uma área de mangue da comunidade conhecida como Palmeiras, horas depois de uma operação da Polícia Militar. Pelo menos oito mortos já foram retirados do local por populares na manhã desta segunda-feira (22). No sábado (20), o sargento da PM Leandro da Silva, de 40 anos foi morto durante confronto com criminosos. Ele foi enterrado no domingo.
Mais cedo, a PM havia confirmado apenas um homem encontrado morto - ele teria sido reconhecido por policiais do 7º BPM (São Gonçalo) como um dos envolvidos no ataque à guarnição que executou o sargento. A corporação confirmou as mortes após as imagens da retirada dos corpos pelos próprios moradores.
"Estamos falando de uma área extremamente complicada de operar, de mata fechada, onde o confronto se deu", afirmou o tenente-coronel Ivan Blaz, porta-voz da PM, ao 'RJ1', da TV Globo. "Logicamente, a permanência da força policial no interior da mata seria mais complexo, que poderia prejudicar a população. Não temos ainda a conta de quantos mortos, mas o fato é que isso é apenas uma fração do grupamento da quadrilha do marginal conhecido como 'Rabicó'. Esse marginal foi colocado em liberdade em 2019, estava em presídio federal. Essa fracção da quadrilha está representada através de boa parte desses mortos", disse Blaz.
Em áudio que circula nas redes sociais, testemunhas afirmam que a quantidade de corpos seria tão grande que pessoas fizeram um mutirão. "Estamos precisando de homens, moradores que podem ajudar. Tem muito morto dentro do mato. Muitas pessoas reunidas, mas precisamos de mais", pede uma moradora. 
Em nota, a Polícia Civil informou que "a Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí (DHNSG) está neste momento na localidade Palmeirinha, na comunidade do Salgueiro, em São Gonçalo. A perícia está sendo realizada próxima ao mangue, onde oito corpos, ainda não identificados, foram localizados por moradores. As equipes também realizam as primeiras diligências na região para a coleta de elementos informativos que possam ajudar a esclarecer a dinâmica dos fatos".
'O extremo não pode virar rotina', critica especialista
Um morador que não quis se identificar, relatou que há corpos com sinais de tortura, como cortes e perfurações. Os corpos ainda não passaram por perícia. Ele critica a falta de suporte do poder público e a violência das forças de segurança "A segurança pública do Rio de Janeiro não existe. Eles tratam segurança pública como morte, não vêm com assistência social, não vêm com uma ajuda", desabafou.
Jonas Pacheco, pesquisador da Redes de Observatório da Segurança e ciencista social, criticou a ação da Polícia Militar. Pacheco aponta que as forças de segurança do estado do Rio são as mais letais do país, e afirma que "o extremo não pode virar rotina".
"As polícias, enquanto instituições de segurança, têm que ter ações de inteligência que não necessitem ter de tamanha letalidade. A Polícia Militar tem essa prerrogativa do uso da força, mas o extremo não pode virar rotina. As polícias Federal, Civil, Militar têm exemplos de operações bem sucedidas que não têm disparo de armas de fogo, e isso não é enaltecido. Eles preferem outro tipo de política", afirma. 
O pesquisador lembra ainda que nem mesmo a 'ADPF das Favelas', que limitava operações policiais durante a pandemia, fez parar o ciclo de letalidade das ações.
"Esse número da letalidade vem aumentando cada vez mais desde 2013. No ano de 2020 a gente teve um arrefecimento por conta de uma ação expressa do STF (Supremo Tribunal Federal) que culminou na ADPF das Favelas, que reduziu um pouco essas ações, mas ainda assim elas aconteceram. O Rio teve mais de 1.239 mortes por agentes por estado, e esse ano já batemos a marca das mil mortes. Isso está levando segurança às pessoas?", questiona.
A hashtag #SalgueiroPedePaz já é um dos assuntos mais comentados do Twitter no Brasil.
Bandidos ou não, eram vidas, ninguém aguenta mais tanta covardia!!#salgueiropedepaz
Confronto em região de mata e mangue
Em nota, a Polícia Militar confirmou que houve confronto nas "proximidades de uma área de mangue com mata", após policiais do Bope serem atacados por criminosos, mas que não houve "detidos ou relatos de feridos". O resultado desse confronto teria sido apenas apreensões: duas pistolas, 14 munições calibre 9 mm, 56 munições de fuzil calibre 762, cinco carregadores (02 para fuzil e 03 para pistola), um uniforme camuflado, 813 tabletes de maconha, 3.734 sacolés de pó branco e 3.760 sacolés de material assemelhado ao crack. 
Apenas um óbito foi registrado pela polícia no domingo: agentes do Bope que estiveram na operação foram informados de um homem ferido que teria sido retirado do local a mando de criminosos armados. "Este ferido já estava em óbito e foi reconhecido por policiais do 7º BPM como um dos envolvidos no ataque criminoso à guarnição no sábado (20)", diz a corporação.
Uma idosa de 71 anos, identificada como Carmelita Francisca, também foi baleada durante o confronto no Salgueiro. Ferida no braço, ela foi levada para o Hospital Estadual Alberto Torres (Heat), em São Gonçalo, e e recebeu alta após ser medicada.
Entidades e parlamentares cobram investigação
A Defensoria Pública afirmou que irá à comunidade nesta segunda, às 14h, para prestar orientações jurídicas às vítimas e familiares.
"A Defensoria Pública do Rio de Janeiro informa que recebeu, por meio de sua Ouvidoria Externa, ainda na madrugada desta segunda-feira (22), relatos sobre a violenta operação no Complexo do Salgueiro. A instituição informa que está em contato com as lideranças locais e que irá à comunidade hoje, às 14h, prestar orientações jurídicas às vítimas e seus familiares.
Movimentos sociais e parlamentares do estado do Rio já se manifestam sobre as mortes no Complexo do Salgueiro. A Federação das Associações de Favelas do Rio (Faferj) está no local desde a noite de domingo para receber as denúncias de moradores. 
A deputada estadual Dani Monteiro (PSOL), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alerj, afirmou que este é o "rastro do Estado atuando nas favelas".