Corpos encontrados em área de mangue no Complexo do SalgueiroMarcos Porto/Agência O Dia
Moradores do Salgueiro 'estavam preocupados que algo pudesse acontecer', diz ativista
Diretor da Federação das Associações das Favelas do Rio (Faferj) já havia recebido denúncias de 'troias' durante incursões policiais, e diz que o clima era tenso antes mesmo da operação de domingo. PM afirma não ter recebido registros oficiais
Rio - Líderes comunitários e ativistas sociais relatam que o Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, na Região Metropolitana, já vivia uma escalada de tensão mesmo antes da operação policial do último domingo (21), que culminou com nove mortos, oito deles encontrados em uma área de mangue e retirados pelos próprios moradores. Nos últimos dois meses, a Federação das Favelas do Rio (Faferj) recebeu relatos de que PMs costumam fazer emboscadas conhecidas como 'troias' no interior da comunidade. A Polícia Militar afirma não ter recebido nenhum registro oficial de denúncias.
Tal emboscada ocorre quando um grupo se esconde no interior da favela, à espera do rival. Especialistas de segurança pública tratam a estratégia como ilegal porque nem sempre há chance de rendição. Uma das supostas troias realizadas por policiais chegou a ser presenciada por equipes do 'Profissão Repórter', da TV Globo, durante uma matéria no Complexo do Salgueiro. O programa foi ao ar em setembro.
"Todas as lideranças de moradores que participam das reuniões com a Faferj denunciam a prática de troia como o principal problema nas favelas. Tivemos a ida do Caco Barcellos para gravar o Profissão Repórter no Salgueiro, e no momento em que o Caco estava lá, houve uma ação desse tipo, que terminou com mortos", relata David Gomes, diretor da Federação de Favelas. Segundo Gomes, representantes de associações de moradores de diferentes bairros de São Gonçalo já alertavam há pelo menos dois meses para uma escalada de violência. "As lideranças estavam preocupadas que algo pudesse ocorrer, como houve neste final de semana. Fizemos reuniões conjuntas e desde agosto estamos acompanhando essa situação. Acionamos a Defensoria, o Ministério Público, a OAB, a Alerj", diz.
Em agosto, a deputada estadual Renata Souza (PSOL) protocolou um projeto de lei na Alerj que proíbe a prática de troia por policiais. A proposta, que ainda não foi para votação, é batizada de Projeto de Lei Kathlen Romeu, jovem de 24 anos que morreu após ser baleada em junho, no Complexo do Lins, durante uma incursão policial. Ela estava grávida de quatro meses.
Procurada sobre as supostas práticas de troia, a Polícia Militar afirmou que "até o momento, não recebeu nenhum registro formal" do tipo. A corporação disse ainda que "a Corregedoria da Polícia Militar disponibiliza canais para o recebimento de denúncias. O anonimato do denunciante é garantido. O contato pode ser feito por telefone pelo número (21) 2725-9098 ou ainda pelo e-mail denuncia@cintpm.rj.gov.br".
DH de Niterói deve receber nesta quarta armas e nomes dos PMs que participaram de operação
A Polícia Civil informou que aguarda para esta quarta-feira (24) a entrega da lista com os nomes dos policiais militares que participaram da operação que deixou nove mortos no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, no último domingo (21). As armas utilizadas pelos agentes na ação também devem ser levadas à Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo, Maricá e Itaboraí, que investiga o caso (DHNSG).
Projéteis coletados em três dos oito corpos passarão por confronto balístico, para confirmar a autoria dos disparos. Segundo a SEPOL (Secretaria de Estado de Polícia Civil), os resultados dos laudos de necropsia apontaram que as mortes ocorridas foram provocadas por projéteis de arma de fogo (PAFs), "sem indício de facadas ou outro tipo de arma com ação cortante ou perfurocortante". A versão dos moradores na segunda-feira, quando os corpos foram retirados do mangue, era de que alguns tinham cortes que aparentavam serem de facas.
Desde segunda-feira, a DHNSG ouve testemunhas e moradores do bairro da Palmeira. Os policiais do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) também devem ser ouvidos, quando forem identificados.
Comissão de Direitos Humanos da Alerj quer saber quantidade de munição usada
A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) informou, na tarde de terça-feira, que oficiou a Polícia Militar para averiguar o efetivo e a quantidade de munição usada na operação no Complexo do Salgueiro. Ao menos oito corpos foram encontrados e retirados por moradores de uma área de mangue na região, na segunda-feira (22), horas depois de uma ação da corporação. No sábado (20), o sargento da PM Leandro da Silva, de 40 anos foi morto durante confronto com criminosos.
"Mais uma vez o noticiário é tomado por uma operação com alto número de mortos e com indícios de se tratar de uma operação vingança. Mais uma vez vemos o Estado confundir segurança com letalidade, uma vez que até o momento contabiliza-se 9 mortes e nenhuma prisão", afirmou a deputada Dani Monteiro (PSOL), presidente da comissão.
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