Henry Borel morreu aos 4 anos de idade. Padrasto e mãe do menino foram acusados e estão presos por homicídioReprodução internet

"Henry está com medo excessivo de tudo, está tendo prejuízos importantes nas relações sociais, influenciando no rendimento escolar e na dinâmica familiar. Disse até que queria que eu fosse pro céu pra morar com meus pais, em Bangu. Quando vê o Jairinho, ele chega a vomitar e tremer. Não tem apetite, está sempre prostrado, olhando para baixo. Chora o dia todo". Esta é a mensagem que Monique Medeiros enviou a uma prima que é pediatra, em 18 de fevereiro, menos de um mês antes da morte do menino. Diálogos como este, estão no livro “Caso Henry Morte Anunciada – A investigação e os detalhes não revelados da história que chocou o país”, lançado na última semana. Nesta terça (14) e quarta-feiras (15), será realizada a continuação da audiência de instrução e julgamento do processo em que Monique e o ex-vereador  Jairinho são acusados de tortura e homicídio qualificado. 
A obra da jornalista Paolla Serra, que foi a primeira a divulgar o assassinato do menino Henry, conta a história do crime com detalhes e traz o histórico dos acusados. O livro de 240 páginas reúne as reviravoltas do caso já publicadas, contando desde quando o casal se conheceu até os dias encarcerados. A obra traz detalhes da vida familiar e características pessoais, como as semelhanças da origem no bairro de Bangu, a vaidade extrema e o gosto por roupas de grife e restaurantes finos.
Foram oito meses de apuração, com a análise de 1,5 mil páginas de documentos, 50 mil arquivos digitais e 200 entrevistas, uma delas com a mãe de Henry, Monique Medeiros, realizada na cadeia onde ela está presa desde abril.

"A busca incessante pela verdade me fez mergulhar fundo nessa história que envolve relações familiares, dinheiro, poder, vaidade e, infelizmente, violência. O objetivo era apresentar um trabalho jornalístico, baseado em mais de uma centena de entrevistas e na análise de todo o material do processo no qual Jairinho e Monique são réus, para trazer, com riqueza detalhes, os bastidores desse crime que chocou a sociedade”, declarou Paolla Serra.
Capa do livro que conta a história da morte de Henry Borel - Divulgação
Capa do livro que conta a história da morte de Henry BorelDivulgação


A madrugada do dia 8 de março de 2021, quando o casal entrou com a criança no Hospital Barra D’or, abre o primeiro capítulo do livro e conta em detalhes o que aconteceu durante quase duas horas de tentativas frustradas de reanimação. Henry já havia chegado morto e a equipe médica que atendeu o menino desconfiou das lesões encontradas. O corpo foi encaminhado ao IML para descobrir a causa da morte, embora o vereador Jairo Souza Santos Junior, o Dr. Jairinho, então namorado de Monique, a mãe do menino, tenha tentado evitar a investigação.
"Embora seja muito angustiante, os pormenores do atendimento prestado pela equipe médica do hospital para onde Henry foi levado morto por Monique e Jairinho muito me tocaram. Trago (no livro) todos os procedimentos realizados pelos profissionais na tentativa frustrada de reanimar o menino e ainda a postura do então casal Monique e Jairinho a partir da declaração do óbito da criança", afirma a jornalista.

A versão apresentada pelo casal, de que Henry teria caído da cama, logo foi derrubada por laudos periciais e da necropsia, como o documento com a descrição das 23 lesões que o corpo da criança apresentava, com graves ferimentos internos em vários órgãos. A investigação terminou com a denúncia de Monique e Jairinho, acusados por homicídio triplamente qualificado, tortura, fraude processual e coação de testemunhas.

"Sem sombra de dúvidas, o que mais me marcou em toda a cobertura foi tentar entender, muito além da prisão de um vereador democraticamente eleito pelo povo, a suposta participação de uma mãe nas torturas e no homicídio do próprio filho, uma criança saudável e amável de apenas 4 anos", conta a autora.


Jairinho tinha rede de apoio

Em conversas retiradas de celulares, o livro detalha a rede de apoio com que o político contou enquanto a polícia tentava entender o que havia acontecido com Henry. Isso fica clara em uma mensagem enviada pela assessora parlamentar Cristiane Izidoro a um psiquiatra em 5 de abril, três dias antes de Jairinho e Monique serem presos.

"Seria ótimo se conseguisse um laudo de um psiquiatra para falar que o vereador não tem nenhum transtorno de personalidade ou algo que aponte para uma personalidade agressiva ou sádica. Teria que ser, de preferência, um nome de inquestionável capacidade e não um médico que atenda Jairinho regularmente." O psiquiatra recusou arrumar o laudo para Jairinho alegando não querer aparecer na mídia.

Em outro trecho do livro, são expostas conversas que indicam interferências principalmente da assessora e da irmã de Jairinho, Thalita Fernandes.

"Tem que fazer carinho na Ana. Conseguiu falar com ela? Cuida da Ana. Precisamos dela", enviou ele à irmã menos de seis horas antes de ser preso. A mensagem referia-se à ex-mulher Ana Carolina Ferreira Netto, que chegou a prestar queixa por agressão contra ele anos antes, mas voltou atrás.

O vereador ainda pediu que sua assessora falasse com outras duas ex-companheiras que prestariam depoimento. "Ela tem que ser grata a tudo", falou sobre Debora Saraiva, que posteriormente denunciou torturas ao filho. "Conversa com ela com muita calma", recomendou sobre Fernanda Abidu.

Cena modificada

Um trecho do livro indica que Jairinho pode ter alterado a cena do crime. Enquanto aguardava a liberação do corpo do filho no hospital, Monique percebeu que o namorado havia sumido. "Estava no posto aguardando você ir na DP", ele escreveu.

"Nesse meio tempo, na verdade, o vereador voltou ao apartamento, como mostrou a câmera do elevador. Na delegacia, ele disse que foi trocar os chinelos por tênis. Às 14h, um primeiro perito esteve no apartamento e constatou que o ambiente estava milimetricamente organizado", diz o livro.

Mais uma cena de bastidores narrada é a da operação montada pela polícia para vigiar o casal um dia antes das prisões, com três equipes de tocaia, seguindo os carros que chegavam e saiam das casas das famílias. A polícia sustentou que o casal havia procurado residências de luxo em outra cidade na internet e havia risco de fuga.

Relação conturbada
Com uma vida amorosa tumultuada, com diversas traições no histórico, Jairinho conhece Monique pelas redes sociais, quando ela vivia uma crise no casamento.

O relacionamento evolui rápido e, em poucos meses, passam a morar juntos em um condomínio de alto padrão, onde Henry morreu.

"Um ponto curioso em toda essa história é o enlace de Jairinho e Monique - em menos de seis meses, eles tiveram o primeiro encontro amoroso, começaram a namorar, montaram apartamento e foram morar juntos. A partir da análise de mensagens, fotos e vídeos, apresento detalhes de como se deu, por exemplo, a compra de móveis, eletrodomésticos e até materiais de limpeza em um curto espaço de tempo para que a mudança fosse feita", detalha Paolla.

O livro conta, por exemplo que, galanteador, Jairinho costumava elogiar as mulheres da Câmara do Rio e fazia sucesso com algumas delas. A ex-vereadora e ex-deputada federal Cristiane Brasil (PTB), filha do ex-deputado federal Roberto Jefferson, viveu com Jairinho um breve romance, que terminou após descobrir uma traição dele.
A longa carta que Monique escreveu na prisão descrevendo uma suposta relação de abuso e contando uma nova versão para a morte do filho também está no livro. Ela diz que foi dopada por Jairinho e acordada por ele quando o menino já não respirava. Já a defesa do ex-vereador continua sustentando que houve um acidente.
O livro traz ainda relatos de Monique sobre a adaptação de Henry na nova casa que passou a dividir com Jairinho, além das brigas entre o casal. "Não foi fácil, ele não conseguia dormir sozinho no quarto, e o Jairinho passou a reclamar disso, dizer que ele era mimado. Passamos a brigar por isso e também pelos ciúmes excessivos dele, que queria controlar minhas redes sociais e meu celular".


Contato com Monique
Em julho de 2021 Monique Medeiros concedeu entrevista para Paolla, de dentro da prisão. O encontro vinha sendo negociado há algumas semanas com os advogados dela e precisou ser autorizado também pelo então secretário de Administração Penitenciária, Raphael Montenegro.
"Monique não exibia mais o alongamento de mega hair nos fios nem as unhas postiças de acrigel. Seu tom de voz era baixo e pausado. Em quase três horas de conversa, ela se emocionou especialmente quando falou da saudade de Henry. Segurava cartas escritas à mão e xerox de fotos do menino", revela Paolla em um trecho do livro.
Em outro trecho, Monique disse se arrepender de ter ido morar com Jairinho. "Moramos só dois meses juntos, mas foi tempo suficiente para ele ter acabado com o meu mundo". E negou que tivesse conhecimento das agressões sofridas por Henry. 
"Eu realmente peguei meu filho nos braços, com os olhinhos abertos, achando que ele estava vivo e tinha sofrido um acidente doméstico. Eu não imaginava o que
podia ter acontecido". 

Para Paolla, a entrevista com a mãe de Henry foi um dos momentos mais importantes. "A entrevista que fiz com a Monique, no presídio foi um dos pontos importantes para remontar toda essa história".