Marques de Sapucaí fechada: carnaval de 2022 foi adiado para abrilKelly Duque

Rio - Nos barracões das escolas de samba, o anúncio do adiamento dos desfiles doeu mais do que um rebaixamento. Após um ano de 2021 sem carnaval e de muitos apertos financeiros, 2022 sinalizava como um retorno à normalidade. Mas isso não acontecerá, pelo menos não da forma que todos queriam: a prefeitura passou o Carnaval para o feriado de Tiradentes, e dirigentes de agremiações fazem as contas para saber se conseguirão pagar os funcionários até abril.
"Vão ser mais dois meses de folha. Temos um pessoal para pagar, cerca de 10 pessoas. É uma responsabilidade financeira, e fica difícil manter gastos até abril. E a gente ainda não recebeu nada do incentivo que a prefeitura dá anualmente às escolas", lamenta Brenno Araujo, presidente da Independentes de Olaria, que desfila na Série Prata, o equivalente à quarta divisão. Na Estrada Intendente Magalhães desfilam 58 agremiações divididas em três grupos. Em parte delas, haverá demissão.
"Alguns profissionais estão sendo dispensados porque as escolas de samba não conseguirão arcar com o pessoal até abril. Pessoas que estavam contando com essa verba", lamenta Clayton Ferreira, presidente da Superliga, a liga que organiza os desfiles da Intendente. "O desfile de escola de samba não é feito em dois meses. Haverá um lapso de 45 dias que as agremiações não vão ter dinheiro para pagar seus compromissos. Queríamos que o governo olhasse para os profissionais. As escolas da Intendente sofrem demais".
Em fevereiro do ano passado, o prefeito Eduardo Paes (PSD) anunciou um programa de auxílio emergencial para os trabalhadores das escolas de samba, semelhante ao recebido pelo setor do carnaval de rua. Mas o repasse não saiu, assim como a subvenção anual às agremiações. 
Apesar da tristeza quase geral, há quem veja com bons olhos o adiamento dos desfiles. Presidente da Estação Primeira de Mangueira, Elias Riche celebrou o fato de ter "mais tempo" para a execução do carnaval, e afirma que conseguirá segurar todos os funcionários da Verde e Rosa. Em 2020, no entanto, foi diferente: a escola chegou a suspender o pagamento de cerca de 50 colaboradores, por conta da covid-19.
"Não vamos ter necessidade de cortar funcionários, desde que a gente volte à normalidade. Que as pessoas que vêm pro Rio comprem o ingresso, que depois desse pico da covid comece a ter ensaio, e que melhore a venda de fantasias. Se for desse jeito, não vamos ter problema, não", avalia o presidente.
"Pelo menos tomaram uma decisão. A pior coisa do mundo, pelo menos para quem está comandando, é a indefinição: vai, não vai, aumenta, diminui. Acho que foi uma decisão acertada. Eu, particularmente, não gostaria de ver a arquibancada vazia, também. Imagina assistir na televisão o desfile com pouco público?".
Carnaval caro, materiais em falta: dificuldades até na confecção do carnaval
No fim da tarde de sexta-feira (21), o presidente da Liesa, Jorge Perlingeiro, ligou individualmente aos presidentes das escolas do Grupo Especial para avisar do adiamento. Momentos depois, os prefeitos Eduardo Paes, do Rio, e Ricardo Nunes, de São Paulo, anunciaram a decisão conjunta.
Profissionais das escolas foram pegos de surpresa com a decisão, tomada justamente em um período de maior esforço para a finalização de alegorias e fantasias. Carnavalesco do Império da Tijuca, que desfila na Marquês de Sapucaí pela Série Ouro (antigo grupo de Acesso), Guilherme Estevão afirma que os últimos dois anos de incertezas gerou uma série de dificuldades na execução do carnaval: trabalhadores foram demitidos, outros mudaram de profissão e até tecido está em falta. E o que tem, ficou mais caro.
"Tem sido um carnaval muito mais caro, principalmente no setor de tecido. Até materiais que são muito baratos, como cetim e tule, temos problemas sérios para encontrar determinadas cores. Com menos clientes, os fornecedores diminuíram o ritmo de produção", conta Estevão, responsável por comandar um grupo com cerca de 25 funcionários, contratados por empreitada até o carnaval. São profissionais específicos para trabalhos como a confecção de adereços, maquinaria, carpintaria e materiais de fibra.
"Nossa preocupação é sobretudo com o trauma do último período carnavalesco. Começou em um adiamento e terminou no cancelamento (em 2021, o desfile chegou a ser anunciado para julho). Vivemos nas escolas de samba demissões em massa, falta de remuneração dos profissionais. São fornecedores que fecharam as portas, profissionais que mudaram de profissão. Os últimos anos são de muita dificuldade", analisa o carnavalesco.