Devem procurar uma unidade de saúde quem apresentar três semanas consecutivas de tosseDivulgação

Rio - O Rio de Janeiro está à frente de um triste ranking de tuberculose no país. O estado é o primeiro em mortes pela doença e o segundo em incidência. Um levantamento da Secretaria Estadual de Saúde divulgado nesta quinta-feira (24) aponta que em 2021 foram notificados 12.590 casos novos e um total de 15.456 pacientes com a doença. Os números são 7,7% maiores quando comparados com 2020, quando foram feitos 14.356 registros. Nesta quinta-feira, 24 de março, é lembrado o Dia Mundial do Combate à Tuberculose.
"A tuberculose é um dos nossos grandes desafios. O Rio de Janeiro é o segundo estado com a maior taxa de incidência no Brasil. Também apresenta alta taxa de interrupção do tratamento, favorecendo o desenvolvimento de resistência às drogas, que por sua vez contribui para um cenário de persistência da transmissão. Precisamos urgentemente reduzir esses índices e impactar os dados no estado. Os investimentos são essenciais para essa população, que precisa de recursos para não deixar de se tratar", destaca o subsecretário estadual de Vigilância e Atenção Primária à Saúde, Mario Sergio Ribeiro.
A maior parte dos casos registrados no estado (75,7%) são da Região Metropolitana I, que inclui a capital e os municípios da Baixada Fluminense. Essa região abrange 60,6% da população fluminense. Pela primeira vez, em mais de uma década, houve um aumento de mortes em decorrência da tuberculose, agravado, segundo o estudo da SES, pela pandemia da covid-19.

Apesar do número de casos diagnosticados e notificados ter sofrido redução em 2020, reflexo do primeiro ano mais crítico da pandemia, o número de óbitos tem aumentado. Em 2020, foram registrados 765 óbitos no estado. Em 2019, 659 mortes. Em 2021, 805. "Provavelmente mais pessoas morreram de tuberculose porque menos gente foi diagnosticada e tratada em comparação com 2019", afirma Marneili Martins, gerente de Tuberculose da SES.
O secretário municipal de Saúde da capital, Daniel Soranz, informa que na cidade do Rio há aproximadamente 7 mil novos casos da doença por ano. Soranz afirma que a rede de saúde trabalha para ampliar os diagnósticos e garantir que o tratamento, que dura seis meses, seja seguido até o fim pelos pacientes.
"O Rio está intensificando o diagnóstico. Desde meados de 2021, as unidades de saúde estão na busca ativa pro diagnóstico de tuberculose. A gente quer aumentar nossa capacidade de diagnosticar reforçando as equipes de saúde da família com várias campanhas. Hoje, 15% das pessoas tratadas por tuberculose na cidade abandonam o tratamento. Às vezes, o sintomas desaparecem, a pessoa fica bem. Mas, se não finalizar o tratamento, a chance da doença voltar e ainda com resistência aos antibióticos é muito grande", ressalta.
Questionado se os números da doença vêm aumentando na cidade, o secretário afirmou que a secretaria tem dificuldade de mensurar se há aumento real nos casos, ou se a capacidade de diagnóstico cresceu. "A gente tem uma capacidade maior de testagem desde 2021. O período de covid-19 dificultou o diagnóstico dos casos. O que a gente sabe é que conseguimos diagnosticar muito mais", afirma.
"O alto índice de mortes pode estar ligado à interrupção do tratamento, que dura em média seis meses, e à baixa busca por cuidados médicos. Além disso, as áreas mais pobres ainda são bastante afetadas, onde há pouca ventilação e baixa incidência de sol. Isso ocorre porque o agente causador da doença se propaga mais facilmente em áreas com essas características", acrescenta Marneili, da Secretaria Estadual de Saúde.
A população deve ficar atenta aos sintomas. Se houver tosse por três semanas consecutivas, é necessário comparecer a uma unidade de saúde para realização de teste para tuberculose. O emagrecimento também é sintoma da doença.
Resistência a medicamentos
A Fiocruz também divulgou nesta quinta-feira um boletim sobre a tuberculose resistente aos medicamentos no Brasil, a 'Tuberculose Drogarresistente'. De acordo com o documento, entre 2019 e 2021, foram notificados 3.848 casos deste tipo de tuberculose no país. Com a chegada da pandemia de covid-19 em março de 2020, também foi observada queda acentuada no diagnóstico e tratamento de casos da doença no país, quando comparado a 2019.

No período, o Rio de Janeiro foi o estado com a maior proporção de casos (23,4%), seguido de São Paulo (16,8%) e Rio Grande do Sul (9,5%). Entre as capitais brasileiras, as maiores proporções foram identificadas nas cidades do Rio de Janeiro (14,8%), São Paulo (7,0%) e Manaus (6,0%).

No que diz respeito à proporção de casos de tuberculose drogarresistente notificados, segundo sexo e faixa etária no Brasil em 2019, os indicadores revelam maior proporção em indivíduos do sexo masculino em todas as faixas etárias, com maior concentração entre homens nas faixas etárias economicamente ativas de 30 a 39 anos e 40 a 49 anos, cada um correspondendo a 15,9%.

Entre os casos de tuberculose notificados no país de acordo com a autodeclaração de raça ou cor de pele, as maiores proporções foram observadas entre os pardos (50,7%), brancos (30,3%) e pretos (16,6%). Na variável escolaridade, houve predomínio de casos de tuberculose drogarresistente entre aqueles com 4 a 7 anos de estudo (39,4%), seguido daqueles com 8 a 11 anos (24,4%) e 1 a 3 anos (13,4%).

Os indicadores também revelam uma proporção de 52,4% de sucesso terapêutico (tratamento completo + curado) entre os casos novos de tuberculose drogarresistente no Brasil em 2019, seguida por 28% de abandono, 5,7% de falência e 5,6% de óbito por tuberculose. O Estado de Goiás e Rondônia apresentaram as maiores proporções de abandono. Já as maiores proporções de sucesso terapêutico foram reportadas nos estados do Amapá, Acre e Mato Grosso do Sul.

A tuberculose é uma doença infecciosa e transmissível, causada pelo Mycobacterium tuberculosis, que afeta prioritariamente os pulmões, embora possa acometer outros órgãos e sistemas. A doença ainda persiste como um grave problema de saúde pública no Brasil. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 465 mil pessoas foram recentemente diagnosticadas com tuberculose resistente aos medicamentos em 2019. Destas, mais de 60% não conseguiram obter acesso ao tratamento.

Municípios recebem R$ 19,5 milhões para garantir suporte social
Neste 24 de março, a Secretaria de Estado de Saúde (SES) do Rio anunciou a transferência de R$ 19,5 milhões para que os 92 municípios implementem ações de segurança alimentar aos pacientes em tratamento. Essa ação faz parte de uma cooperação técnica assinada com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e que integra o Plano Estadual de Enfrentamento à Tuberculose, parceria com a Assembleia Legislativa do Estado (Alerj) que destinará R$ 246,3 milhões oriundos de verbas parlamentares para o combate à doença, durante os próximos cinco anos.

Entre as ações da SES dentro do Plano Estadual de Enfrentamento à Tuberculose está a transferência de recursos do Fundo Estadual de Saúde, no valor de R$ 19,5 milhões, para Fundos Municipais de Saúde, direcionados à implementação de iniciativas de segurança alimentar e nutricional e suporte social para pessoas diagnosticadas com a doença. Os repasses são destinados ao pagamento de auxílio alimentação no valor de R$ 250, conforme pactuado na Comissão Intergestores Bipartite (CIB), a cada paciente em tratamento. E poderá ser viabilizado através de vale-alimentação, cestas básicas, restaurantes populares ou cartão alimentação.

"A garantia do direito à alimentação para as pessoas acometidas por tuberculose é fundamental. Há evidências de que o comprometimento do estado nutricional e a desnutrição destacam-se como fatores de risco para o desenvolvimento e o agravamento da doença. O benefício é destinado a todos os usuários com diagnóstico da doença notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), que estão sendo acompanhados pelos programas de controle da tuberculose, seja por unidades municipais, estaduais ou federais, a nível ambulatorial", detalha Marneili Martins, gerente de Tuberculose da SES.

Pacientes sofrem preconceito

Estigma e preconceito rondam os tísicos, como ficaram conhecidos os tuberculosos. Isso porque entre os fatores da disseminação da doença estão a pobreza, a desnutrição, as más condições sanitárias e a alta densidade populacional. Além disso, a Aids e a tuberculose costumam afetar os mesmos grupos, reforçando o estigma. Entre as vítimas fatais de tuberculose em 2014, 12% possuíam as duas doenças, de acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). Isso acontece, principalmente, porque o sistema imunológico fica debilitado e não é capaz de defender o corpo contra o agente causador da tuberculose, o bacilo de Koch.

Uma das vítimas do preconceito, a agente comunitária de saúde (ACS) Rita Smith, de 59 anos, conseguiu mudar o rumo da sua história de dor e sofrimento e usou a sua experiência de luta no convívio com a doença para mudar a realidade de moradores da sua vizinhança que, na ocasião, era conhecida como o maior foco de tuberculose do país: a Rocinha. Ela perdeu a mãe para a tuberculose, em 1984, contraiu a doença logo depois e enfrentou um longo calvário até entrar para a equipe de agentes comunitários, em 2003. Rita passou, então, a atuar na linha de frente de combate à doença e se engajou em movimentos para conscientizar os moradores.

"A tuberculose é a doença da precariedade, da insalubridade, da vulnerabilidade social. Sou alcoólatra, era usuária de drogas e perdi a minha mãe para a tuberculose. Fui no fundo do poço, enfrentei o preconceito por ser homossexual, abandonei o tratamento duas vezes, mas quando me ergui, visualizei a importância da minha experiência para mudar a realidade das pessoas", relata Rita, que hoje é agente comunitária aposentada.

Na época em que Rita começou a atuar, a Rocinha estava enfrentando seu pior momento com a doença. Em 2001, chegou a registrar 455 casos por 100 mil moradores. Na ocasião, graças à atuação de equipes de saúde das três esferas públicas no local, a taxa de recuperação chegou a 93% dos casos. Dados de 2021, ainda sujeitos a alterações, mostram que a incidência de casos da doença no estado está em 74,07 por 100 mil habitantes, e a de mortalidade, 4,6 por 100 mil habitantes.