Estudo e sutileza compõem o trabalho dos profissionais que se dedicam a restaurar os murais de Di Cavalcanti no segundo andar do Teatro João Caetano, na Praça Tiradentes, no Centro do RioPedro Ivo/ Agência O Dia

Os andaimes erguidos no foyer do segundo piso do Teatro João Caetano, na Praça Tiradentes, não conseguem ofuscar a vivacidade dos dois murais de Emiliano Di Cavalcanti. As cores marcantes de sua arte se fazem presentes e potentes e atraem o olhar de quem chega naquele espaço no Centro do Rio, enquanto uma equipe de profissionais se dedica a um trabalho minucioso de restauração das obras 'Samba' e 'Carnaval'. Na sutileza muito bem estudada por cada profissional repousa também o respeito à alma desse artista, cuja morte completará 46 anos na quarta-feira.
"Nós lutamos muito com os pigmentos para finalmente compreender como ele trabalhava, com cores vibrantes. Se você olhar, é uma fantástica sinfonia de cores. Se você não entende o artista, você não faz o restauro. Você tem que captar a alma da pintura. E a alma dessa pintura está na cor e na iconografia popular", explica Edson Motta Júnior, professor da Escola de Belas Artes da UFRJ, que lidera a equipe de 16 profissionais. Alguns deles, inclusive, trabalharam na restauração dos painéis 'Guerra e Paz', de Candido Portinari, e também no Theatro Municipal. "A maioria tem muita experiência. E temos também quatro estagiários. É legal porque temos uma nova geração entrando no mercado", conta o professor.
Nesse trabalho, técnica e sensibilidade se entrelaçam a todo instante. "Sem intervir criativamente na obra, você tem que buscar a unidade dela. Ao reparar e retocar as pequenas lacunas, você está sempre pensando no todo. Essa sensação é de gratificação estética", conta Edson.
O professor recorre, então, a uma comparação com outro ofício para ilustrar a importância da essência do artista numa restauração: "Essa gratificação é muito parecida com a do tradutor. Quando ele traduz um poema, por exemplo, precisa sentir a intensidade do poeta da língua original. Se não fosse esse aspecto, você poderia traduzir pelo Google. Mas não. É mais ou menos o que a gente faz aqui. Você entende a ordem cromática e a iconografia para poder, através daquelas pequenos pontos de reconstrução, dar à obra unidade".
Obras poderão ser apreciadas

Mural 'Samba', de Di Cavalcanti, no Teatro João Caetano, na Praça Tiradentes, no Centro do RioPaulo César Cavassani/Divulgação

Após a restauração, os murais do pintor Di Cavalcanti no Teatro João Caetano serão devolvidos ao público a partir de dezembro. "Vamos devolver ao Rio de Janeiro uma obra que nunca foi muito apreciada. O Theatro Municipal foi muito apreciado. O 'Guerra e Paz', em Nova York, é muito apreciado", cita Edson, referindo-se aos painéis de Portinari na sede da ONU.
Ícone do movimento modernista na década de 1920, Di Cavalcanti pintou os murais 'Samba' e 'Carnaval' entre 1929 e 1930. Cada pintura tem 5,5m de altura por 4,5m de largura sobre argamassa. "Naquela época, em 1929, queriam fazer alguma coisa que fosse parisiense e não brasileira. E o Di Cavalcanti subverte isso e faz algo brasileiro. Se juntar a forma e a beleza das cores com essa brasilidade popular, você tem a essência do Di Cavalcanti", destaca o professor.
O restauro é uma realização do governo do estado do Rio de Janeiro, através da Funarj e com recursos próprios da fundação sem recorrer a leis de incentivo ou editais.
Desde 1813

Teatro João Caetano.Pedro Ivo/ Agência O Dia

O Teatro João Caetano, a casa de espetáculos mais antiga do Rio, foi inaugurado em 13 de outubro de 1813, por Dom João VI, com o nome de Real Theatro de São João. O atual edifício é de 1930.