Foi incrível ver a forma como os gêmeos mostram que ninguém nasce pronto. E como eles sabem que, mesmo que revelem seus segredos, não haverá uma produção em série da obra delesArte: Kiko

Era manhã de quarta-feira, Dia das Crianças. O café quentinho, preparado pelo meu pai, já estava servido na xícara, devidamente colocada na mesa, no lugar de sempre. No rádio, tocavam uns trechos da música 'Superfantástico', da 'Turma do Balão Mágico', que marcou a minha infância. Enquanto isso, peguei dois ovos para fazer omelete e, quando as duas gemas caíram no prato, eu visualizei instantaneamente uma carinha sorrindo. Faz um tempinho que eu vislumbro essa imagem e até a transformo em realidade, fotografando os olhos — ops, gemas! E ainda desenho com os recursos do celular um pinguinho para o nariz e uma boca feliz.
Descobri que esse e outros rituais de poesia são essenciais no meu dia a dia. Não para fugir da realidade, mas para me conferir o respiro necessário para os momentos difíceis que virão. Eu preciso de flores pela casa para enfrentar os inevitáveis espinhos, assim como as cores das artes me garantem imunidade para os dias cinzentos.
Isso explica porque eu me identifiquei tanto com o mundo lúdico dos gêmeos Gustavo e Otávio Pandolfo, em exposição no CCBB RJ. Na véspera do Dia das Crianças, eu havia participado de uma visita guiada pelos artistas com jornalistas e me arrepiei quando Gustavo nos deu as boas-vindas, pedindo para que pudéssemos nos conectar com o nosso interior e com o imaginário.
Não foi difícil atender o pedido. Meu coração canceriano se entregou facilmente logo na primeira sala da mostra. Estavam expostos ali cadernos de caligrafia, bonecos de playmobil customizados por eles e desenhos dos gêmeos quando crianças, guardados com a ação do tempo. Algumas folhas estavam amareladas e outras revelavam terem nascido de cadernos de espirais. Em camisetas estampadas, etiquetas apareciam puídas. Afinal, nós somos constituídos de todas as histórias que tivemos até hoje.
Fiquei pensando naquelas relíquias, em tantas memórias afetivas, e me lembrei de um boletim da minha irmã guardado nas coisas deixadas pela minha mãe. Eu havia olhado para ele poucos dias antes, buscando uma foto de nós duas quando crianças. Foi incrível ver a forma como os gêmeos mostram que ninguém nasce pronto. E como eles sabem que, mesmo que revelem seus segredos, não haverá uma produção em série da obra deles. Sou fascinada por essa ideia de valorizar as raízes e entender que somos talentos únicos, ainda mais quando guiados pelos sentimentos.
Naquele evento concorrido, ainda consegui falar rapidamente para um deles sobre como o meu coração foi conquistado logo no início da exposição. Mas agora registro, nestas palavras impressas, que é muito bom quando a gente não se sente só no mundo. Eu me senti acompanhada naquele momento e posso dizer que é especial quando ideias e sentimentos nos unem no mesmo balão da vida. É "superfantástico"!