João Vinicius Ferreira Simões foi enterrado nesta segunda, em MaricáRômulo Cunha / Agência O Dia

Rio - "Tem que ter Justiça. Que isso aqui sirva de lição". Esse é o desabafo de Roberto Ferreira, avô de João Vinicius Ferreira Simões, de 25 anos, que morreu após sofrer uma descarga elétrica ao tocar em um food truck durante o festival de música 'I Wanna Be Tour', no Riocentro, na Zona Oeste do Rio. O jovem foi enterrado na tarde desta segunda-feira (11) no Cemitério Municipal de Maricá, na Região Metropolitana do Rio.

Durante o velório, Roberto teve que ser amparado por familiares. Uma enfermeira, que prestou auxílio durante a cerimônia, também o ajudou.

"Vinicius, você foi um filho, um neto, um sobrinho, um afilhado maravilhoso. Sou suspeito para falar. Peço a Deus que receba meu neto lá em cima. Agora, por outro lado, eu quero ver a ganância desses empresários maldosos que fazem um show sem segurança para o público. Essas coisas tem que ser observadas. Tem que ter Justiça. Que isso aqui sirva de lição. Meu neto, vá com Deus. Descanse em paz", disse.
Já Roberto Simões, pai da vítima, pediu que os responsáveis pela organização do evento sejam mais prudentes para que casos como o do João não voltem a acontecer. Agora, restou apenas a saudade.
"O legado que o meu filho deixa é de honestidade, de boa vontade. Um jovem de mente aberta que nos deixou precocemente por causa de irresponsabilidade de gananciosos. Ele era um cara de paz, onde chegava formava amizades, sempre foi caseiro, família, sempre prestes a ajudar o outro. Com quem eu vou falar? Em quem vou me apoiar? Quem vou ligar e perguntar o resultado do jogo? Quem vai me dar os conselhos que ele me dava? Ele era um garoto excepcional. Eu espero que o meu filho, infelizmente, sirva de exemplo para que outros pais não passem o que estou passando. Uma morte banal. Eu espero que eles sejam mais prudentes, que isso não aconteça mais com o filho de outras pessoas. Eu espero que eles tenham o laudo do Corpo de Bombeiros, da Vigilância Sanitária. Isso é obrigatório para qualquer evento. Isso vai ser apurado e que os responsáveis sejam culpados, julgados e condenados", desabafou.
O corpo de João, que era apaixonado pelo Flamengo, foi envolto com uma bandeira da equipe durante o velório. Roberta Ferreira, mãe da vítima, disse que o filho estava no sétimo período do curso de Educação Física e tinha o sonho de se tornar professor. Ele já trabalhava como personal em uma academia em Niterói, também na Região Metropolitana do Rio. Segundo a mãe, toda a família está destruída e clamando por Justiça.

"Estamos destruídos. Nunca imaginei que isso ia acontecer com o meu filho com uma vida inteira pela frente. Uma equipe que só visa o dinheiro, o lucro, é isso que acontece. Como meu filho sai de casa para ir a um show e não volta? No mínimo, segurança tinha que ter ali. Ele sempre gostou de rock. Era uma pessoa muito caseira, reservada, mas gostava de sair de vez em quando para ir para esses shows. Quando não tinha amigo para ir junto, ele ia sozinho como foi sábado. Ele era calmo, sereno, não brigava com ninguém. Era muito tranquilo", disse.

Roberta acrescentou que não recebeu apoio da produtora 30e, responsável pelo evento. A empresa alega que entrou em contato com a família para prestar a assistência necessária. Veja a nota completa no final da matéria.

“Ninguém me procurou. Não tive contato com ninguém. Inclusive, eu fui lá para ter resposta e não tinha ninguém do evento para me dar resposta nenhuma. Eles tão falando que deram assistência à família, mas não deram assistência nenhuma. Eu quero saber o que aconteceu com o meu filho. Não sei o que vai ser daqui para frente, sinceramente”, completou.

A mãe estuda entrar com um processo contra a empresa. Roberta ainda irá conversar com seus advogados e irá prestar depoimento nesta terça-feira (12) na 32ª DP (Taquara).

Colegas de profissão da academia onde o jovem trabalhava também estiveram na cerimônia. A personal Ana Luiza contou que levou João para trabalhar junto com ela e que ele era querido por todos do estabelecimento. Ambos já haviam trabalhado em outra academia, em Itaipuaçu, em Maricá.

“João Vinicius tinha um coração gigante né. Amado por todos os alunos. Eu tinha conseguido esse emprego pra ele para poder estar lá junto comigo e ver ele crescer dentro da nossa profissão. Todo dia estávamos junto, vendo o João brincando, rindo, estando ali junto conosco, abraçando. É muito triste a gente tendo que estar vivenciando tudo isso. Uma perda inesperada. É difícil para todos”, disse Ana.

Monica Teixeira, de 56 anos, uma das alunas de João, disse que o professor sempre tratou todos de forma igual, sem distinção de idade.

“Tratava a gente como se fosse igual. Uma pessoa de 20 e poucos anos com uma mulher de 50, era a mesma coisa. Não tinha diferença para ele. Era a mesma dedicação e o mesmo carinho para todo mundo. Era uma alegria quando via ele chegar. Um menino alegre e sorridente”, destacou.

Relembre o caso

A morte aconteceu na noite de sábado (9). No dia, uma forte chuva atingiu a cidade do Rio e, para se proteger do temporal, as pessoas presentes no festival foram se abrigar nos poucos espaços cobertos oferecidos pela organização. Um vídeo no qual O DIA teve acesso mostra a intensidade do temporal no local.

João foi uma das pessoas que buscou abrigo, mas acabou encostando em um food truck e recebendo uma descarga elétrica. Ele sofreu uma parada cardíaca, chegou a ser reanimado, socorrido e encaminhado ao Hospital Municipal Lourenço Jorge, na Barra da Tijuca, mas acabou sofrendo outra parada e não resistiu. Segundo a família, um médico legista do Instituto Médico Legal (IML) contou que o jovem estava com uma marca nas costas provocada por um condutor elétrico, mas que ele não estava molhado na hora do incidente, pois suas roupas estavam secas, assim como seus documentos.

O caso é investigado pela 32ª DP (Taquara). A Polícia Civil explicou que, apesar do local não ter sido preservado até a chegada da polícia, a perícia será realizada e eventual prejuízo para as investigações será objeto de responsabilização na forma da lei. Os organizadores do evento e outras testemunhas serão chamados para prestar depoimento.

Falta de segurança e organização

No domingo (10), familiares de João Vinicius foram até o local do evento e não encontraram o food truck que o menino tocou. Segundo a família, toda a estrutura do festival já havia sido retirada do Riocentro. Fotos tiradas por eles mostram fios expostos pelo chão do espaço após o incidente.

Além da vítima, outras pessoas presentes no festival também relataram que tomaram choque ao tocar em food trucks. A jovem Gabriela Neves contou ao DIA que sentiu uma corrente ao fechar a porta de um dos carros a pedido de uma funcionária.

"Eu estava me protegendo da chuva do lado de um food truck e aí eu tava com um sapato bem emborrachado, então eu tava ok, mas teve uma hora que a moça abriu a porta para uma das meninas sair ali do quiosque e pediu pra fechar. Quando eu encostei eu senti a corrente e ela falou para fechar com a cadeira. Peguei a cadeira de madeira pra poder fechar mas eu senti que estava tendo corrente descontrolada", contou.


Mayra Mendes também estava no local e viu o momento em que a descarga elétrica atingiu João. Segundo ela, após o jovem ser retirado do local, a produção seguiu com o evento normalmente.

"Não havia uma área coberta onde pudéssemos nos proteger da chuva, então fomos para a área dos food trucks, assim como muita gente. Antes de chegar lá havia uma área com lugares para sentar que era coberta por uma tenda, de lona. Ficamos ali embaixo dela, mas chovia tanto que não dava vazão, a lona já estava transbordando. Ouvimos uma pessoa gritar 'tira ele, tira ele'. As funcionárias do food truck também gritavam muito. Começou uma gritaria e as pessoas saindo dos foodtrucks. Quando vimos ele estava caído já, com algumas pessoas em volta, logo chegou os profissionais para socorrê-lo. Eles apenas desligaram esse Food Truck, afastaram as pessoas que trabalhavam lá, colocaram algumas latas de lixo para evitar que as pessoas fossem lá, mas não interditaram o local”, explicou.

O que diz a organizadora?

Por meio do perfil nas redes sociais do festival, a empresa 30e, produtora do evento, disse que está apurando junto às autoridades sobre o que aconteceu com o jovem. A empresa afirmou que as informações obtidas até o momento atestam para a conformidade de operação do food truck, onde João Vinícius recebeu uma descarga elétrica. A produtora lamentou o ocorrido e informou que está prestando solidariedade à família da vítima.

Confira a nota completa:

"Na noite deste sábado, 9 de março, uma forte chuva atingiu o Rio de Janeiro enquanto o evento I Wanna Be Tour era realizado no Riocentro e o público se dirigiu para a marquise coberta, seguindo os protocolos de segurança.

Neste momento, lamentavelmente, ocorreu um incidente na área descoberta próxima a um food truck terceirizado: o jovem João Vinícius Ferreira Simões foi atingido por uma descarga elétrica. O sistema de segurança foi acionado no mesmo instante para atendimento e para as providências de socorro.

Apesar do pronto atendimento e de todos os esforços realizados pelas equipes médicas do evento e no hospital, o jovem não resistiu e, infelizmente, veio a óbito.

A 30e, produtora do evento, lamenta profundamente e está apurando o ocorrido junto às autoridades. Até então, informações obtidas atestam para a conformidade da operação food truck. A produtora já estabeleceu um primeiro contato com a família do jovem para prestar solidariedade e dar toda assistência necessária."

Já o Riocentro lamentou profundamente o ocorrido e informou que o jovem foi imediatamente socorrido pela equipe de socorro contratada pela organizadora do evento e responsável pela infraestrutura, que o encaminhou ao hospital. "A administração do centro de convenções está acompanhando o caso de perto junto à organização, para que a família receba toda assistência necessária", disse em nota.